Quando o país permite sonhar, mas os desafios reprimem

Quando o país permite sonhar, mas os desafios reprimem

Sonhar, desejar e mentalizar são pressupostos básicos para o homem atingir certo propósito”, assim diz um adágio popular e a realidade certifica-o. Porém, em Moçambique a situação é outra para muitos, pois os desafios quase superam a capacidade das aspirações dos moçambicanos! E os números comprovam esta realidade, há mais desafios que sucessos alcançados!

Há 46 anos, período em que Moçambique acabava de alcançar a sua independência do colonialismo português, a fome era apenas o único problema com que o país se debatia. Ainda que tenha havido outros desafios, não impactaram tanto a sociedade. Actualmente, os problemas aumentaram tanto e são visíveis em quase todos os âmbitos, que superam o número dos habitantes que o país possui hoje em dia.

Na verdade, em Moçambique os desafios são maiores do que as aspirações de muitos cidadãos o que leva a uma falta de correspondência entre o crescimento populacional e o desenvolvimento económico do país culminando com dissolução de todos os esforços pessoais tanto quanto do governo.

Segundo a ciência, é uma das tarefas das estatísticas ajudar os decisores na definição das políticas para o desenvolvimento de uma nação bem como alertá-los sobre os possíveis riscos. Egas Daniel, economista da IGC da London School of Economics, frisa isto: “elas são um recurso válido, e permitem fazer comparações dos indicadores ao longo do tempo e serem indicativos de sectores que carecem de maiores intervenções em qualquer parte do mundo e em Moçambique”.

Na óptica do economista Daniel, de qualquer forma, as estatísticas dão uma visão geral da situação económica e social, permitindo discutir e reflectir em medidas mitigadoras dos desafios do país.

A este respeito, os trabalhos do INE, por sinal a única e principal entidade responsável pelas estatísticas no país não fogem a regra. O relatório do IV Censo da população realizado em 2017 pelo INE é a prova inequívoca de que as estatísticas são relevantes para adopção de políticas de desenvolvimento no país.

Dados do IV Censo de 2017, apontavam que Moçambique contava na altura com cerca de 30 milhões de habitantes. Além disso, o relatório indica igualmente que a população moçambicana tem vindo a registar um crescimento considerável nos últimos anos, visto que, só nas últimas três décadas, o país teve uma média anual de 2% o que desafia, sobretudo, a provisão dos serviços públicos básicos a todos moçambicanos, aumentando os desafios já enfrentados.

O relatório do INE informa que, em virtude deste aumento demográfico, a população moçambicana passou de 16,1 milhões de habitantes para 20,5 milhões de habitantes e 28,9 milhões de habitantes em 1997, 2007 e 2017, respectivamente.

O acesso à habitação aumentou as desigualdades

A falta de habitação é um dos principais problemas que o país enfrenta actualmente, sobretudo para os jovens, depois do desemprego, pobreza e o difícil acesso aos serviços públicos básicos. 

Passados 46 anos após a independência o desafio da habitação não apenas se agravou, como se tornou cada vez mais evidente. A necessidade de políticas específicas para ele dirigidas, como ficou claramente revelado que a provisão de abrigo é uma das áreas onde se concentra uma boa parte do esforço de poupança e criatividade das famílias dos mais baixos rendimentos. Prova disso, a realidade mostra que ter casa própria hoje em dia tem sido apenas um sonho que acompanha muitos moçambicanos em muitos casos até à fase adulta, ou seja, há muitos moçambicanos que atingem os 40 a 45 sem casa própria ou condigna.

Sem surpresas, os gastos com a habitação continuam a ser a maior despesa das famílias moçambicanas sobretudo nos centros urbanos. Dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que há 46 anos a habitação aparecia apenas em segundo lugar depois da alimentação, porém, actualmente o cenário mudou.

João Felisberto, é um jovem docente numa escola primária, arredores da cidade da Matola, há oito anos, e tenta há quase cincos anos erguer uma casa própria e aceitável para o seu nível de vida, ainda assim o seu sonho é ainda uma miragem. Apesar de estar a viver em casa própria, a fonte conta que tem sido uma enorme dor de cabeça dividir o seu salário mensal para as suas despesas básicas com as da construção.

“É preciso fazer um jogo de cintura para poder construir”, considera a fonte e justifica: “o custo de vida no país é muito alto e com o salário que os moçambicanos ganham não dá muita margem para se ter uma habitação própria aceitável”.

Se por um lado, é difícil ter casa própria para quem trabalha e possui uma renda fixa, as contas são mais complicadas para quem não tem um emprego formal.

Aniceto Sitoe, natural da província de Gaza, é vendedor informal na capital do país e vive numa casa de aluguer no bairro de Maxaquene, arredores da cidade. À Mznews, o jovem de 32 anos de idade, revela que há mais de sete anos que almeja ter casa própria, porém, devido às condições financeiras aos poucos vem perdendo essa esperança.

 “Do pouco que ganho nos meus negócios, a maior parte tem sido gasto com as despesas de renda, e o que resta só serve para manter o negócio”, atira Sitoe.

Na verdade, as histórias do João Felisberto e do Aniceto Sitoe espelham a realidade vivida por muitos jovens moçambicanos, que sonham em um dia ter uma casa própria, porém os seus sonhos aos poucos vão sendo encolhidos pelas adversidades que atravessam.

Sobre esta situação, o economista Egas Daniel, considera que o acesso à habitação no país reflecte uma situação a qual deve ser repensada por parte governo. Segundo o economista, as políticas de habitação no país, por mais bem-intencionadas que sejam, muitas delas, com excepção de algumas poucas últimas, estão desajustadas da realidade económica dos jovens do país, tendo em conta o rendimento médio dos moçambicanos (cerca de 400 dólares por ano).  

“As prestações necessárias para beneficiar destes projectos são 2 a 3 vezes superiores ao salário mínimo, o que evidentemente exclui quase todos os jovens (mesmos os já empregues), imagine os que não têm emprego e vivem de “biscatos” com rendimentos instáveis…”, explica o economista.

Na verdade, o acesso à terra e ao financiamento são apontados como os principais obstáculos enfrentados pelos moçambicanos apesar dos jovens serem os mais lesados.

Wild do Rosário, chefe do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) considera que as políticas de acesso à habitação em Moçambique pecam por serem menos expansivas, embora haja um esforço por parte do Governo.

“Em geral, os custos de construção em Moçambique são 30 a 40% acima quando comparados com os dos outros países da região. Um dos principais motivos associados a isto está ligado ao material de construção, por exemplo, que é elevado porque é tudo importado”, aponta o chefe do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos.

A luta contra a pobreza no reino do desemprego

Enquanto a habitação entala muitos jovens moçambicanos, sobretudo nos centros urbanos e suburbanos, a pobreza e o desemprego quase afligem todas as idades, do campo até às cidades.

Jorge Cossa, jovem licenciado em Filosofia pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM) é a prova inequívoca do quanto é difícil ter emprego no país. Licenciado há seis anos, o jovem de 31 anos de idade, revelou não ter mais esperança de um dia conseguir algum emprego, pois desde que terminou os estudos, a sua rotina tem sido apenas de submeter o curriculum em várias instituições, porém até aqui nunca teve uma resposta satisfatória.

“Em alguns casos até já fui chamado para entrevista, mas nunca passou disso para trabalhar”, revelou Jorge Cossa.

Dados do INE indicam que a pobreza aumentou nos últimos anos, sendo que há muitos moçambicanos vivendo com abaixo de um dólar por dia. O último Inquérito Orçamental Familiar (IOF 2019/2020) revelou também que apesar da pobreza continuar a imperar em muitas famílias moçambicanas, a taxa de desemprego, caiu de 20,7% no relatório de 2014/15 para 17,5% em 2019/20.

A este respeito, o relatório do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) sobre “Perspectivas Económicas para África 2021”, divulgado em Março deste ano, revelou que só no ano passado, a recessão económica do país empurrou mais de 850 mil pessoas para baixo do limiar da pobreza, aumentando para 63,7% da população.

No olhar do economista Egas Daniel, os modelos de desenvolvimento adoptados pelo governo desde o período pós independência, embora sejam em parte funcionais, pecam ainda por não serem inclusivos. “Há que repensar num modelo de desenvolvimento económico inclusivo para que Moçambique consiga sair desse marasmo”, defende Daniel, frisando que: “a curto prazo, os programas de protecção social devem ser ampliados, incluindo assistência alimentar, para apoiar os empresários informais (autónomos). Intervenções específicas também são necessárias para apoiar as mulheres e aliviar as desigualdades de género existentes, incluindo a expansão do acesso a financiamentos e insumos, e o aproveitamento do poder da tecnologia móvel”.

“A longo prazo, o país precisa de diversificar a sua economia saindo do actual crescimento impulsionado pelos megaprojectos em direção a uma economia mais interconectada e competitiva, pois, uma economia mais diversificada e inclusiva pode mitigar o impacto desses choques externos e permitir que mais moçambicanos beneficiem do crescimento económico”, atenta.

Não obstante, para Egas Daniel, estas medidas serão importantes para impulsionar os principais motores da inclusão, aumentando o acesso a serviços básicos, “tais como educação, saúde, saneamento, electricidade, bem como o acesso a mercados de trabalho e meios de produção, o que, por sua vez, poderia melhorar os indicadores sociais”. 

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