Usurpação de terras e burlas na origem da invasão populacional a Kenmare?

Usurpação de terras e burlas na origem da invasão populacional a Kenmare?

A população invadiu, na tarde de ontem, o bloco administrativo e o acampamento de trabalhadores da mineradora de Kenmare Resources, na localidade de Topuito, distrito de Larde, província de Nampula. Pelo menos foi assim que se propalou convulsão social ocorrida naquele ponto do país. Fontes falam motivações legítimas, a Kenmare fala manifestações políticas. Entretanto, parece que já se alcançou um acordo “provisório”…

As centenas populares atearam fogo em dois postos policiais, um dos quais com obras na fase conclusiva para ser inaugurado, arredores do acampamento da mineradora irlandesa que explora áreas pesadas. Reclusos foram “libertos”.

Uma aeronave ida da cidade de Nampula com pessoal da empresa e que pretendia aterrar na pista do acampamento viu-se obrigada a descolar antes de concluir a aterragem conforme atestam imagens a que o MZNews teve acesso.

Naquele momento, a população abandonou “os escritórios” e seguiu para a pista de voo. Assim que a aeronave atingiu a pista, inverteu o sentido de marcha e voou de regresso para a cidade de Nampula. “A ideia era incendiar a aeronave”

As imagens em nosso poder mostram a população a obrigar uma viatura que pretendia entrar no acampamento a recuar. A polícia assistiu às cenas de braços cruzados, literalmente.

A escola secundária da localidade também foi incendiada. A residência do secretário local foi vandalizada e seus bens incendiados.

Relatos nos vídeos apontam que a população reivindica direitos sociais porque apenas os trabalhadores da empresa “é que estão bem de vida”.

As razões da convulsão em Larde

MZNews contactou uma fonte no terreno que atestou a ‘legitimidade’ das reivindicações violentas. Disse que a população está agastada com a falta de cumprimento das promessas por parte da mineradora Kenmare.

Conforme disse o Ponto Focal das Organizações da Sociedade Civil em Larde, Marracuene A. Abacar, desde 2017 a empresa não avançou com as garantias sociais como construção de escolas, hospitais, estradas (uma asfaltada, outra de areia batida, e outras para ligar as comunidades, todas iluminadas), duas pontes, uma viatura para o Rei e Régulo Matapa, já falecido.

Ele destacou que a frustração se deve, acima de tudo, pela usurpação de terra e atraso na construção da ponte sobre o rio Larde.

Da suposta usurpação de terras (machambas), segundo a fonte, a Kenmare prometeu pagar entre 75 mil meticais (menos de um hectare) e 100 mil meticais (a partir de um hectare) por cada parcela. “Isto significa que cada pessoa poderia receber pelo número de machambas que tem”.

O valor seria para “cada um se virar”, incluindo procurar novas parcelas de terra para cultivar em outras latitudes.

Do levantamento da área de terra de cada proprietário, a fonte disse que as dimensões sofreram alterações.

“No primeiro mapeamento com GPS foram anotadas as dimensões das áreas, mas no segundo o GPS apontava a metade das áreas de cada proprietário” disse a fonte, questionando “onde foi parar a outra área”?

Do total de pessoas abrangidas no mapeamento, apenas 20% foi contemplado para receber os respectivos valores. Pior ainda, aquando dos pagamentos “para fins administrativos e de constituição de provas” as pessoas receberam por uma parcela de terra, quando tinham mais. Houve também quem, nesse processo, recebeu mil meticais ou menos.

Da reivindicação de pontes, conforme a fonte, a população encontrou na “revolução” a última forma de pressionar a mineradora a avançar com as promessas. A empresa teria prometido à população a construção de uma ponte sobre rio Larde, que liga as suas instalações à sede distrital. A infraestrutura terá sido orçada em sete milhões de dólares americanos. Ela serviria para a população seguir para seus novos campos de cultivo, distando cerca de 50 quilómetros. E uma segunda possibilidade consiste na construção de outra ponte sobre o mesmo rio, mas mais do que duplicaria a distância a se percorrer para alcançar as machambas.

MZNews contactou a Kenmare. A empresa disse não ter sido vítima de vandalizações de infraestruturas em Topuito, porquanto a população não adentrou no acampamento. Alegou que desde sempre cumpre com as actividades de responsabilidade social. Refutou os pronunciamentos segundo os quais a inércia da firma perante as preocupações da população motivaram os tumultos. Justificou a tensão social com motivações políticas pós-eleitorais como se assistem em todo o país.

A mineradora disse que cidadãos oportunistas ocuparam terras anteriormente mapeadas e devidamente identificadas. “Esses é que estão a criar a confusão toda, porque se aperceberam que as terras vão ser ocupadas pela Kenmare”.

Nos vídeos a que tivemos acesso, a população evocava nome de Venâncio Mondlane, que tem convocado manifestações alegando a reposição da verdade eleitoral do escrutínio de 9 de Outubro passado.

Marracuene A. Abacar disse que, embora não tenham havido motivações políticas para a situação vivida, ontem, em Topuito, simpatizantes do Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos) se identificaram com a causa e apoiaram as reivindicações.

O relaxamento

Após se verificar a vandalização de infraestruturas públicas e bens privados, e os populares ameaçarem atear fogo ao acampamento da Kenmare, uma parte da empresa se reuniu com cerca de 100 pessoas no interior do acampamento e prometeu iniciar, já na segunda-feira, com a construção da ponte sobre o rio Larde, sem a intervenção do Governo disse Marracuene. Ele frisou que foi um acordo provisório porque há mais por se resolver.

A nossa fonte da Kenmare explicou que todos os projectos de âmbito social a empresa intervém na qualidade de parceiro do Governo, tal é o caso da ponte sobre o rio Larde.

“Nós não prometemos construir a ponte porque não é nossa responsabilidade. Esse é um plano do Governo e nós somos parceiros. E a conversa que houve foi no sentido de iniciarmos conversações a partir de segunda-feira, para acabar com essa situação” clarificou.

Marracuene disse que as partes assinaram um documento e advertiram a Kenmare que vão incendiar as suas infraestruturas caso haja perseguições e mortes.

A Kenmare disse, em comunicado, estar a monitorar de perto a mina “e em alerta a qualquer eventual impacto aos nossos colaboradores e nossas operações”.

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