Julgamento das “Dívidas Ocultas” em Londres pode ser cancelado para defender interesses de Nyusi

O Governo moçambicano recusa-se a partilhar os documentos classificados sobre as dividas emitidas sem garantias do Estado “Dívidas Ocultas”, em mais de dois mil milhões de dólares, o que poder levar ao cancelamento do julgamento marcado para Outubro de 2023, em Londres, na Inglaterra, para defender os interesses do Presidente da República, Filipe Nyusi.

Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), a Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, omitiu esta recusa de partilha de documento durante o seu último informe à Nação, apesar de ter afirmado que decorrem diligências interlocutórias para a preparação do julgamento.

“Devido à recusa do Estado moçambicano em divulgar documentos essenciais sobre as dívidas ocultas, o julgamento marcado para Outubro próximo, no Tribunal Superior da Inglaterra e País de Gales, pode ser cancelado. O Juiz do caso, Robin Knowles, afirmou que a recusa de Moçambique em partilhar documentos das dívidas ocultas pode ser para defender interesses pessoais do Presidente Filipe Nyusi e prejudicar o povo moçambicano”, lê-se num documento divulgado hoje pelo CIP.

Num processo que decorre em Londres, exige-se a nulidade das garantias emitidas por Manuel Chang, antigo Ministro das Finanças, para viabilizar os empréstimos às empresas ProÍndicus e MAM, bem como a reparação dos danos ao Estados daí decorrentes.

“Se tiver de exercer os meus poderes de cancelar (o julgamento) para garantir o cumprimento dos deveres e das obrigações da República [de Moçambique] neste contencioso, fá-lo-ei. E fá-lo-ei porque é esse o meu dever e porque está em causa a equidade do julgamento que pretendo proporcionar à República e a todas as partes”, disse, a 03 de Março último, o juiz da secção comercial do Tribunal Superior de Inglaterra e País de Gales, Robin Knowles, citado pelo CIP.

O CIP afirma ainda que tais documentos estão na posse Gabinete do Presidente da República, o Gabinete do Primeiro-Ministro, o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), o Conselho de Estado e o Ministério do Interior. Para o Estado, trata-se de “documentos classificados”, sob o risco de vazar para o público se partilhado com o aquele Tribunal.

“A Lei que regula o Sistema Nacional de Arquivos do Estado permite que informação classificada seja acedida por determinadas pessoas ou entidades, por “necessidade de conhecer”. Ora, é isto que o Tribunal de Londres exige do Estado moçambicano”, esclarece o CIP.

O Estado também se recusa a partilhar outros documentos “na posse do Ministério do Interior e da Marinha de Guerra de Moçambique”.

O CIP diz ainda que o Tribunal de Londres pretende aceder a conta de correio electrónico (e-mail) de Manuel Chang, mas o Estado moçambicano alega que a mesma está vazia devido a inutilização. O Tribunal suspeita que o conteúdo da conta de Chang tenha sido apagado e exige que se recuperem as informações.

“Esta conta (de email) institucional do Sr. Chang é potencialmente muito importante, e eu vou acompanhar de perto os esforços que a República faz aqui para chegar aos dados subjacentes, apesar da eliminação”, escreve o CIP, citando a decisão do juiz.

Quanto a interferência de Filipe Nyusi na inviabilização da partilha de documentos, o juiz destaca que ele é parte do litígio com autonomia máxima para aceder aos mesmos, e “pode ser que seja a sua posição individual que ponha em risco a posição da República”. Ele ainda frisa que em última instância, a República de Moçambique pode tomar uma decisão de interesse do povo.

No entanto, nesta fase do processo não assume que Nyusi esteja a agir em prol da República e do povo ou por interesse próprio.

“O que se pode dizer é que, até à data, ele não fez o que estava ao seu alcance para responder em relação ao seu envolvimento pessoal como parte e em relação às alegações feitas contra ele pessoalmente. Também não ajudou, aparentemente, na sua posição à frente de entidades estatais relevantes, no que respeita ao acesso à documentação para efeitos dos deveres de divulgação da República”, lê-se na decisão do juiz inglês de 63 anos, citada pelo CIP.

Em torno disso, se o julgamento for cancelado, “Moçambique teria, então, de pagar mais de 4 mil milhões de dólares de capitais e juros de mora. Para além disso, até Junho de 2022, Moçambique havia gasto cerca de 5 milhões de libras com os advogados que assistem à PGR em Londres. A anulação do processo significa que tais gastos terão sido em vão”.

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