Carregada de dúvidas sobre o seu estado, a nação decidiu dirigir-se a um consultório de um poeta para ser examinada. Chegou ao consultório e a primeira coisa que fez foi espernear-se sobre o banco de espera e podar-se as unhas sujas com os dentes.
Com uma senha na mão esperou pela sua vez para ser atendida pelo poeta. O poeta, que era especialista em analisar estados de nações, levou uma eternidade para degolar a maçaneta da sua porta e deixar a nação entrar. Houve suborno, a nação meteu um envelope com uma nota debaixo da porta do poeta, a maçaneta desdobrou-se, as dobradiças fizeram vénia e a porta abriu-se.
Carregada de dúvidas sobre o seu estado, a nação decidiu dirigir-se a um consultório de um poeta para ser examinada.
Quando a nação entrou na sala para ser observada, encontrou o poeta afogado num enorme dicionário; os seus óculos enganchados nas orelhas flutuavam como dois feijões de estetoscópio. “Se faz favor”, balbuciou o poeta dentro do dicionário, a sua voz ouvia-se em forma de bolhas explodindo.
O poeta aos poucos saiu do enorme dicionário; primeiros foram os poucos cabelos que tinha que espreitaram do dicionário, depois surgiu a testa transbordando sobre a parte frontal da cabeça, depois foram os olhos metidos no aquário dos óculos, depois foi o nariz e depois foram os lábios que guarneciam um exército de molares. Saiu o poeta do dicionário, desinfectou as mãos sujas e ordenou que a nação pusesse-se nua sobre a maca.
Nua, nua, tal como não a conhecemos, a nação deitou-se para ser examinada pelo poeta. Sentiu vergonha de mostrar ao poeta partes do seu corpo que nem a televisão tinha coragem de filmar. Fez um pequeno pano com as mãos e tapou-se as vergonhas. Os médicos examinavam o estado das pessoas e o poeta cuidava do estado da nação.
Nua, nua, tal como não a conhecemos, a nação deitou-se para ser examinada pelo poeta.
Claro que a nação já tinha adiantado os seus problemas ao poeta; falou de raptos de sangue que a sua idade não conseguia resgatar, dos subsídios de lágrimas que ocupavam a alegria dos seus olhos, da sua tensão com o fundo desviado, da sua pele esburacada e da insurgência que todos dias lhe explodia nos batimentos cardíacos. Calmamente o poeta foi examinando a nação enquanto ela não parava de expor os problemas.
Claro que a nação tinha outros problemas graves; tinha milhares de pedrinhas sentadas sobre o muro dos rins como jovens desempregados, tinha um coágulo de sangue desviado e escondido por uma veia qualquer, os pulmões com oxigénio endividado e tinha a barriga cheia de fermento de fome e pobreza…
Claro que a nação tinha outros problemas graves
O poeta mediu a febre da nação com um termómetro de metáforas, mergulhou-se novamente no dicionário durante minutos, pegou no seu diário de versos e escreveu “o estado da nação é de auto-superação”.