O medo invade Palma. A insurgência continua. “Em África ninguém se *******” – Reportagem da BBC

Reportagem da BBC: “Mozambique Palma terror attack: ‘I can’t go back'”

A cidade de Palma, no norte de Moçambique, foi palco de um terrível ataque de militantes islamistas há um ano atrás, que deixou dezenas de pessoas mortas, forçou milhares a fugir das suas casas e suspendeu um enorme projecto de gás nas proximidades. A correspondente da BBC África, Catherine Byaruhanga, falou com alguns sobreviventes aos ataques para verificar se já há algumas mudanças.

O medo ainda invade Palma

Antes do início do ataque bem coordenado, a cidade costeira estava cheia e agitada – cheia de pessoas que tinham vindo procurar trabalho na florescente indústria do gás da zona.

Estava também cheia de milhares de pessoas que tinham fugido da violência noutras zonas de Cabo Delgado, a província maioritariamente muçulmana onde se iniciou a insurreição islamista em 2017.

Os militantes são conhecidos localmente como al-Shabab. Não têm qualquer ligação com o grupo somali com esse nome, mas desde então têm-se comprometido a lealdade ao grupo do Estado Islâmico (IS).

Actualmente, o projecto de gás multimilionário do gigante francês da energia Total continua fechado.

Alguns dos que começaram a regressar a casa têm muito medo de falar ao telefone com a BBC, apesar de os insurgentes já terem sido expulsos.

António [nome fictício], um dos empreiteiros que tinha ido à cidade para trabalhar na indústria do gás, não tem esperanças quanto ao futuro.

Apesar do destacamento de tropas regionais para combater o al-Shabab, o jovem de 36 anos, diz não se ver a regressar.

“Penso que não consigo voltar para lá”, disse Antonio, numa interacção via Zoom a partir do sul de Moçambique, onde ainda está a lutar para encontrar emprego.

António continua traumatizado com os acontecimentos que, quatro dias após o cerco de 24 de Março, viu os insurgentes romper o portão do seu local de trabalho onde ele, o seu irmão e outros empreiteiros – alguns do Zimbabué e da África do Sul – se escondiam em edifícios pré-fabricados.

“Ouvi o tiroteio. [Gritos de] ‘Allahu Akbar! Allahu Akbar! E depois, quando abri as minhas cortinas, vi algumas pessoa juntas ao portão principal. Vestiam roupas verdes com um pano vermelho na cabeça”, descreveu.

Os invasores não conseguiram abrir a porta do seu quarto, mas 16 homens, incluindo o seu irmão e três primos que se tinham trancado numa sala segura, foram descobertos.

“Começaram a gritar: ‘Oh, encontrámos pessoas! Encontrámos pessoas! Venham! Venham'”, recordou.

Nove militantes levaram então os homens para o mato e decapitaram-nos.

António, que acabou por ser resgatado por helicóptero do complexo pela empresa de segurança privada Dyck Advisory Group, diz que os corpos do seu irmão e primos nunca foram encontrados ou devolvidos à família.

“Al-Shabab são fantasmas, não há como detê-los”, disse.

Este sentimento resume a natureza difícil de enfrentar os insurgentes que são capazes de se fundir na comunidade local e nas zonas rurais.

A insurgência continua

O terror que se viveu em Palma pressionou Moçambique a aceitar a ajuda estrangeira. Em Julho passado, cerca de 2.000 soldados do Ruanda e mil soldados de vários países da África Austral chegaram a Cabo Delgado.

Ao longo de várias semanas, eles expulsaram combatentes de Al-Shabab de muitas das suas bases.

Hotel Amarula

Isso apenas significou que os jihadistas se mudaram para as florestas densas e regiões vizinhas, de onde encenam ataques de menor intensidade.

“Mudou a natureza da insurreição – mudou a natureza da guerra, mas a guerra continua”, diz Eric Morier-Genoud, analista e leitor de história africana da Queen’s University, Belfast.

Wesley Nel, que é sul-africano e entre vários estrangeiros apanhados no cerco no hotel de luxo Amarula, em Palma, concorda.

Numa tentativa desesperada em fugir, ele e cerca de outras cem pessoas puseram-se em fuga em direcção a praia. Mas os militantes já lá estavam à espera e o seu irmão Adrian foi morto na emboscada.

“A cada dois ou três dias os insurgentes atacam. Isto ainda não acabou. Parece que ninguém se importa. Se estás em África ninguém se importa” disse Wesley Nel, um sul-africano que sobreviveu ao assalto a Palma.

“Todos os dias me lembro daquele momento do comboio, tentando fugir e o meu irmão levando um tiro… [o que] é difícil ainda é ver que está a acontecer.

“A cada dois ou três dias, os insurrectos atacam. Isto ainda não acabou. Parece que ninguém se importa. Se estás em África, ninguém quer saber”.

Foi a situação daqueles que foram apanhados no hotel – estrangeiros brancos a pedir ajuda para serem resgatados – que realmente chamou a atenção dos meios de comunicação social do mundo.

O veterano jornalista ugandês Charles Onyango-Obbo, que visitou recentemente Palma, diz que a vida lá está lentamente a voltar ao normal, embora muitos edifícios ainda se encontrem em ruínas.

O Amarula é um dos que foram amplamente restaurados; o hotel foi parcialmente reaberto e espera estar totalmente operacional em breve, disse na sua reportagem para o jornal The East African.

Será isto uma indicação de que a Total poderá regressar?

As forças ruandesas asseguraram Palma, bem como a estratégica cidade portuária de Mocímboa da Praia, que tem um aeroporto e um porto necessários para os projectos de gás da Total na vizinha península Afungi.

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