O contraste: Um país rico que se esconde no meio da pobreza

O contraste: Um país rico que se esconde no meio da pobreza

Moçambique é um país rico e com uma vasta extensão de terra. Possui diversos recursos naturais do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico. Só o gás natural liquefeito, cuja exportação iniciou em Novembro de 2022, tem uma riqueza gigantesca, com mais de 120 biliões de pés cúbicos  que se esconde na província de Cabo Delgado.

E o mais extraordinário é que, segundo os especialistas do sector, as estimativas de gás comercialmente recuperável podem vir a duplicar nos próximos anos e colocar o país na lista dos maiores produtores do mundo. Entretanto, todo este manancial de  recursos que o país dispõe e explora, está longe de se transformar em uma verdadeira riqueza na vida dos moçambicanos.

O país continua mergulhado numa pobreza profunda.  E é  isso que as várias estatísticas nacionais e internacionais apontam. E a realidade também mostra o mesmo.

A Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE) 2025-2044, aprovada pelo Conselho de Ministros indica que a pobreza aumentou em cerca de 87% em 10 anos, sendo que a maior subida se registou no período em que os principais parceiros haviam deixado de prestar assistência financeira ao país, na sequência da descoberta do escândalo das dívidas ocultas.

De acordo com os dados do ranking da revista Global Finance, de 2023, Moçambique é o sexto país mais pobre do mundo (com um PIB per capita de 1556 dólares). É também atualmente, o 11º pior país do mundo para se viver, de acordo com o Índice Mundial de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2024.

O que está a falhar? 

Economistas, pesquisadores e académicos contactados pela reportagem do MZNews quase convergem naquilo que podem ser as verdadeiras causas que colocam Moçambique na lista dos países mais pobres do mundo, mesmo com abundância dos recursos naturais.

Dizem que há uma necessidade urgente de se investir em sectores chaves e na criação de infraestruturas para o desenvolvimento económico do país com as receitas que provêm dos recursos naturais.

Mas o problema é também  a elevada  carga da divida pública que ano após ano cresce a olhos vistos. Só ano passado o Governo acumulou uma dívida de mais de 15 mil milhões de dólares, um aumento de cerca de 5,2% de acordo com os dados do Ministério da Economia e Finanças. Por aí a coisa começa a ficar feio para Moçambique.

Há também uma forte dependência de ajuda externa derivada de uma dívida pública insustentável, e que esta acima de 80%. “É mais que o dobro do que é recomendado pelas instituições internacionais”, refere Elcídio Bachita, economista e docente universitário.

“O país continua mergulhado numa pobreza profunda mesmo possuindo uma vastidão de recursos naturais.” 

É por conta disto que também Mocambique figura na lista dos cinco países mais endividados do mundo. Como parte de solução, Bachita diz que o Estado deve procurar de forma urgente mecanismos eficientes no sentido de reduzir a dívida pública, sobretudo externa, sob risco de hipotecar o desenvolvimento do país  nos próximos 20, 30 anos.

“Aquilo  que o país consegue produzir gasta com as amortizações dos empréstimos do que com o investimento em sectores socioeconómico, o que representa um atraso no progresso do país”, esclarece.

 

O  acadêmico e professor Lourenço do Rosário, tem outra visão. Entende que o problema decorre da história colonial do nosso país. E ao que tudo indica, o cenário mantém-se até os dias que correm. Afirma que a relação entre o mundo desenvolvido e os países que foram colônias continua sendo a mesma: “extração das nossas riquezas que vão para fora e não beneficia o nosso povo”. Diz ainda que “mentalmente e economicamente somos ainda uma colona”.

“Os nossos recursos naturais continuam a ser extraídos para enriquecer os países outrora dominadores”, refere o académico. Do Rosário vai mais longe e diz que como nação estamos perdidos. “Enquanto você está perdido não traça uma estratégia, não tem uma agenda de Estado que seja comum a todos os moçambicanos, que é  defender o sentido de soberania com autonomia de quadros técnicos próprios para o desenvolvimento”.

Um pouco na mesma linhagem está a opinião do pesquisador e economista Moisés Siúta. Segundo este, há que primeiro se refletir se os projectos de facto estão desenhados de maneira que beneficia ou não as populações.

  • “O Estado deve procurar de forma urgente mecanismos eficientes no sentido de reduzir a dívida pública, sobretudo externa, sob risco de hipotecar o desenvolvimento do país  nos próximos 20, 30 anos.”

“As críticas que têm sido lançadas  pela sociedade civil muitas vezes é que os projectos não estão desenhados de maneira a deixar receitas e os benefícios adicionais para Moçambique”. Para o economista, “existe nesta questão dos projectos, que já temos, uma necessidade de reforçar os processos de verificação, do que pode ser feito melhor para que o país beneficie de mais receitas”.

Constantino Marrengula, também economista e docente universitário, questiona a funcionalidade das instituições políticas na capitalização desses recursos em ganhos para o povo. Entende que a vontade política conta bastante na mudança deste cenário.

“A questão maior são as nossas instituições políticas e como elas estão organizadas para produzir resultados que favoreçam Moçambique, aí ainda estamos alguns anos luz do que seria desejável”, refere Marrengula.

Caminhos a seguir

Recursos naturais  só por si não bastam para tirar o país do marasmo em que se encontra se não houver profundas mudanças na maneira de gerir os ganhos provenientes desses recursos.

Rui Mate, pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP) na área da indústria extrativa fala de uma má aplicação daquilo que são os benefícios que advém dos recursos naturais.  Culpa a ausência de políticas viradas para o desenvolvimento por parte das autoridades governamentais.

Defende a criação de bases para que a exploração desses recursos tenha benefícios visíveis, evidentes e douradores não só para a geração que está a explora-los de forma directa, mas também para gerações futuras. “E isso acontece através da criação de infraestruturas, serviços e diversificação da própria economia”, sublinha.

Não há duvidas de que as receitas dos recursos são uma mais valia para o crescimento económico quando forem aplicadas nos sectores chaves. Países como a Noruega, Holanda entre outros, são disso o exemplo.

“Os nossos recursos continuam a ser extraídos para enriquecer os países outrora dominadores.” 

Bachita diz que há que aproveitar as receitas desses recursos para criar oportunidades de emprego para a maior parte dos jovens que saem das universidade, do ensino técnico profissional.

“São esses recursos humanos que poderão impulsionar o desenvolvimento económico do país”, refere o economista.

Até porque estamos perante a recursos esgotáveis. Os caminhos para dar a volta à questão podem também consistir numa melhor inclusão do sector empresarial moçambicano nos grandes projectos.

Para isso exige-se um sector privado igualmente capacitado de modo a fazer face a demanda dos grandes projectos. E não só, requer a instalação de indústria de processamento ao nível local para a transformação do que é produzido. Suita entende que uma melhor inclusão poderia melhorar e acelerar o crescimento económico do país.

Simone Santi, presidente da EuroCam-Associação das Câmaras de Comércio Europeias em Moçambique concorda que o sector empresarial é crucial para acelerar o desenvolvimento económico do país. Diz que a prioridade do Governo deve ser a criação de um sector empresarial nacional forte, com transformação do produto nacional.

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