Especialistas em desastres naturais e em ordenamento territorial disseram ontem à Lusa que a “negligência” e a “falta de ordenamento territorial” agravaram o impacto das inundações na região de Maputo, mas a elevada “magnitude” potenciou o efeito da calamidade.
“Não fomos preparando a sociedade e as nossas instituições para lidar com este tipo de situações extremas na região sul”, afirmou Luís Artur, engenheiro e especialista em gestão de riscos de desastres.
O especialista assinalou que as autoridades e as comunidades da região de Maputo, sul, desvalorizaram o impacto das inundações, uma vez que a zona tem escapado das cheias e ciclones que anualmente assolam o centro e norte do país.
Artur lembrou que o facto de as cheias mais mortíferas no sul de Moçambique terem acontecido há mais de 20 anos, em 2000, provocou um relaxamento na preparação da capacidade de prevenção e gestão de calamidades na região.
O investigador e docente na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a mais antiga do país, observou que dispositivos contra desastres como sistemas de aviso prévio, planos de contingência e comités de gestão estão pouco desenvolvidos no sul em comparação com o centro e norte, que enfrentaram nos últimos anos eventos climáticos severos.
“Precisamos de dinamizar o sistema de aviso prévio e preparar melhor as comunidades”, sublinhou.
Luís Artur apontou a importância de uma melhor coordenação com os países vizinhos, onde se situa a jusante dos rios que desaguam no sul de Moçambique, visando permitir uma melhor gestão dos caudais.
Por outro lado, é imperativo proceder a um mapeamento exaustivo das zonas de risco de inundações para a identificação e ordenamento territorial das zonas de reassentamento das populações.
O engenheiro reconheceu que a intensidade da queda pluviométrica em Maputo teria provocado estragos, mesmo num cenário de melhor preparação.
Luís Laje, arquitecto e docente na UEM, avançou que o ordenamento territorial insuficiente na região de Maputo agravou o impacto das anteriores cheias, porque as inundações encontraram assentamentos em áreas impróprias para habitação, com solos saturados, sem drenagem nem vias de acesso.
“O ordenamento e infra-estruturação podem mitigar aquilo que são as chuvas, a quantidade de água, mas, por vezes, há situações em que estes fenómenos naturais são extremos, o que ocorreu agora em Maputo”, destacou Lage.
A expansão das áreas habitacionais na região de Maputo, prosseguiu, tem sido feita por particulares e sem o cumprimento da legislação sobre ordenamento territorial, porque o Estado não tem capacidade técnica e financeira para esse fim.
“Ordenamento territorial implica infra-estruturação”, que vai permitir “a criação das vias de acesso, acesso a água e energia, bem como à construção de valas de drenagem”, enfatizou Luís Laje.
O arquitecto notou que há experiências em várias partes do mundo e mesmo em Moçambique que mostram que é possível construir em zonas propensas a inundações, mas essas edificações têm que ser feitas com tecnologia e meios apropriados.
“Uma parte da baixa da cidade de Maputo foi conquistada ao mar”, para a expansão da capital do país, mas não registava inundações, porque foi construída com a necessária protecção, salientou.
O docente defendeu que a construção de habitações e de infraestruturas devia obedecer a planos de pormenor de cumprimento obrigatório, não se permitindo o livre arbítrio.
Apesar de apontar deficiências na gestão de solos, também admitiu que a região de Maputo sofreu com chuvas de elevada magnitude e incomuns, em poucos dias, dificultando a implementação de medidas de prevenção e mitigação.
Na semana passada, a província de Maputo foi afectada por chuva intensa, intempéries que afectaram pelo menos 39 mil pessoas e provocaram nove óbitos, além de terem isolado o município de Boane, a pouco mais de 30 quilómetros do centro da capital moçambicana.
A região sul de Moçambique enfrenta desde 07 de Fevereiro uma situação de chuva intensa e cheias que já provocou a morte de nove pessoas e inundou 7.600 casas, provocando prejuízos a um total de 39.225 pessoas, segundo dados do Instituto Nacional de Gestão de Desastres.
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