O turismo é, de longe, um dos maiores pilares do desenvolvimento de qualquer país. Além de contribuir para a erradicação da pobreza e para o Produto Interno Bruto, favorece o enriquecimento das suas histórias, artes e culturas. Entretanto, existem países em que as suas potencialidades turísticas são inquestionáveis, tal como é o caso de Moçambique. A sua geografia e clima propícios quase que o obrigam a ser um dos melhores destinos turísticos do Mundo.
Apesar das suas imensuráveis magnitudes, o sector turístico, como tantos outros, foi arrasado e quase que entrou em colapso devido à pandemia da covid-19. Mas agora, a maior questão é qual vai ser o “jogo de cintura” para o sector e toda a sua cadeia de valores de forma a manter-se firme perante a incerteza de uma retoma definitiva das actividades. E, em particular, como Moçambique vai lidar com a oscilação de apertos e alívios de restrições.
A esse respeito, o MZNews conversou com Yassin Amuji, empreendedor, Presidente da Associação de Turismo de Vilankulo e recém-nomeado Vice-presidente do Pelouro de Hotelaria, Turismo e Restauração na CTA – Confederação das Associações Empresariais de Moçambique.
As ideias de Yassin emanam de uma visão futurística, onde tanto o Estado, o sector privado e as comunidades cooperam para um futuro isento de monstruosas desigualdades económicas.
Moçambique é favorecido pela sua história, cultura, e localização geográfica. Considerando isto, qual é o potencial turístico do país?
Moçambique tem um potencial turístico enorme e provavelmente único no mundo. As suas condições geográficas e climatéricas, de cerca de 2800 Km de costa o favorecem para ser um dos melhores destinos do mundo em quase todas as épocas dos ano. O primeiro motivo que lava a maioria das pessoas (60%) a fazer turismo no mundo é sol e praia, e isso não falta no país.. Aliado a isso, existem no país diferentes tipos de histórias, cada uma com as suas culturas e atractivos peculiares que as pessoas podem desejar conhecer. Nós como nação devemos saber como capitalizar isto tudo. E, em boa verdade, todas as províncias do país têm uma particularidade que o mundo precisa de conhecer. E turismo é isso: é vender, exportar, internacionalizar a nossa cultura, a nossa tradição a nossa história.
Como é que o Estado pode intervir para a população beneficiar-se das oportunidades existentes no sector?
O Estado deve criar políticas para o turismo circular. Nós somos uma nação em construção e, naturalmente, temos seus défices de informação, experiência, educação, e é por isso que o Estado deve acelerar o processo de educação em empreendedorismo, ao nível de iniciativas privadas e de autoemprego. De forma acelerada, deve-se promover uma educação que crie soluções e não que procura emprego. Só assim teremos um povo que realmente se vai beneficiar das oportunidades oferecidas pelo turismos na sua vasta cadeia de valores. Isso pode ser feito através de palestras e eventos em que demonstremos as oportunidades que o turismo tem para as comunidades. Esse papel não é apenas do Estado, é do privado também.
Existe um pensamento generalizado sobre o custo do usufruto do turismo para os moçambicanos. Qual é a sua análise.
As pessoas não precisam de muito dinheiro, e deve-se mudar essa mentalidade de consumismo. Quando é que o turismo vai deixar de ser caro? Quando tivermos dinheiro para pagar. Quando? Quando soubermos como entrar na cadeia de valor do ‘turismo caro’. Neste momento os hotéis são caros porque a nossa condição de vida é baixa, e não podemos esperar que eles reduzam os preços para igualar à nossa condição de vida porque aí eles, e o país, em geral, vão à falência.
A verdade é que o poder financeiro das pessoas é diferente. Como é que, a partir de já, um cidadão com poucos recursos pode fazer turismo?
O turismo é para todos, e existem vários tipos: de sol e praia, safari, cruzeiro, cientifico-marinho, acampamentos, etc. O que acontece é que os hotéis de baixo custo não publicitam os seus serviços e esperam que as pessoas lhes batam as portas. Pelo contrário, os hotéis de alto nível investem sempre em estratégias de marketing, e, aí assume-se que o turismo é caro, mas não. O que existe é um conceito diferenciado de prestação de serviços que depois se reflecte na tabela de preços.. Eu vejo isto como uma oportunidade e não um bloqueio. Se é caro, alguém deve criar um pacote acessível e aqui está uma oportunidade de investimento.
De que forma os diferentes investidores podem ganhar à mesma proporção em conformidade com o seu nível de serviços?
Mas para que todos saiam a ganhar é preciso que se desenhe um plano estratégico que defina onde segmentar cada tipo de turismo, evitando conflitos de entre si. Não podemos é misturar os diferentes segmentos mesmo ponto estratégico, senão ficamos sem nada.
O sector do turismo foi dos mais arrasados com a pandemia da Covid-19. De que modo ele pode continuar a funcionar em meio ao caos?
A pandemia mudou o rumo das coisas. Houve uma diferenciação de serviços para poder acomodar a época pandémica. Por exemplo, a redução de preços levou ao corte de determinados serviços e também de pessoal. No entanto, precisamos de perceber que a pandemia vai durar alguns anos. O ideal seria encarar a covid como uma gripe normal para deixarmos a economia fluir normalmente. A instabilidade dos decretos para conter a pandemia faz oscilar as economias. O investidor entende que as praias estão abertas e enquanto ele está a receber as reservas para o mês seguinte as praias fecham, e tem que devolver o dinheiro das reservas, que já foi direccionado para preparar a recepção dos turistas, e o que se faz quando os turistas dizem que não mais virão e querem o reembolso do seu dinheiro? Onde encontrar o dinheiro para o reembolso? Tudo isto cria um retrocesso para o investidor e causa prejuízos para o empresariado. Todo o prejuízo que recai sobre o empresariado reflecte em toda a cadeia de valores da economia nacional. Assim, precisamos de pensar rapidamente, como é que havemos de estabilizar as medidas de prevenção da pandemia. Há países que já estão a assumir a covid-19 como uma gripe normal, abrindo a economia e deixando que cada cidadão seja responsável por si.
Moçambique não pode ser o último e esperar que os outros tomem decisão por ele. No nosso país existem pessoas com discernimento suficiente para liderar o combate a pandemia e sermos um exemplo para o mundo.. É claro que podemos sofrer algumas represálias da comunidade internacional, mas ao provarmos que estamos certos aí começamos a conquistar o nosso posicionamento.
Agora o sector do turismo está praticamente interdito. A abertura do sector para estrangeiros vacinados seria uma solução, na ordem do que disse anteriormente?
Moçambique poderia, deste o início da vacinação na Europa, abrir-se para todos que já foram vacinados sem ser necessário fazer o teste da Covid, tal como Cabo Verde e Os Emirados Árabes Unidos.. A medida a implementar cá seria vacinar os trabalhadores hoteleiros e passar uma mensagem para o mundo, demonstrado que nos hotéis e outros estabelecimentos turísticos no país apenas circulam pessoas vacinadas e que só poderia visitar Moçambique quem já tivesse tomado a vacina. Essa seria uma oportunidade para posicionar Moçambique como um país líder no turismo no mundo.
Quais são os benefícios que o turismo pode trazer para o país?
É muito difícil calcular o benefício que o turismo traz para a economia, porque ele tem uma cadeia de valores incontrolável. Há países que vivem do turismo e têm a maior parte do seu PIB captado das receitas do turismo. A aposta de Moçambique para o combate à pobreza é o turismo, e com isso nós haveríamos de erradicar a pobreza em menos de dez anos. Por exemplo, os Emirados Árabes Unidos perceberam que os recursos que eles têm, o petróleo e o gás, são finitos, e por isso investiram no turismo, sendo hoje em dia um dos destinos mais visitados do mundo.
Como é que se coloca essa máquina do turismo a funcionar e gerar receitas?
O primeiro aspecto para o turismo funcionar é a acessibilidade e mobilidade: não deve ser mais caro fazer uma viagem interprovincial do que internacional, mas a realidade é essa. Muitas vezes perdemos as oportunidades que estão no mundo devido ao protecionismo que adoptámos para as nossas empresas públicas, o que pode ser prejudicial para a economia. O Estado só vai colectar receitas se houver concorrência. E se só existir uma empresa para cada tipo de serviço essa criação dessa acessibilidade vai ser ainda mais demorada.
Recentemente o Arquipélago do Bazaruto foi distinguido pela revista de viagens de luxo “Condé Nast Traveller” como o Melhor Resort Insular de África e do Oceano Índico. Que significado isto tem para o país?
Estas distinções não são de hoje. Elas vêm acontecendo há mais de dez anos, nomeadamente para Vilankulo e Arquipélago de Bazaruto. No ano passado Vilanculos foi eleito como um dos Melhores Destinos Turísticos da África. Nessa região existem mais de dez hotéis que estão na lista top de 10% dos melhores hotéis do mundo, e há um hotel que está no top 1% dos melhores hotéis do mundo e é o melhor Bread and Break Fast de África. Então, quando dizem que nós somos os melhores devemos, muito rapidamente, abrir mais o país para que outros turistas possam vir cá deixar dinheiro. O mundo já conhece e reconhece, mas é preciso que nós também conheçamos e reconheçamos o nosso potencial, com acções concretas, porque senão de nada vai valer termos o que temos.
Este ano tornou-se Vice-presidente do Pelouro de Hotelaria, Turismo e Restauração na CTA – Confederação das Associações Empresariais de Moçambique. Que trabalhos lhe foram incumbidos?
A CTA está a trabalhar com o Governo para este criar melhores políticas para o ramo hoteleiro. Temos lidado com as associações provinciais e outras associações de outros destinos turísticos. Há uma matriz de vários problemas que o sector tem. Estamos a trabalhar para identificar uma nova matriz de problemas existentes no sector porque a indústria está sempre a mudar, embora alguns problemas já tenham sido resolvidos. Por exemplo, em 2019 aprovou-se o visto do turismo, que antigamente era feito nas embaixadas, mas hoje já é possível obtê-lo no aeroporto. Nós estamos a tentar criar acessibilidade para o turismo, mas isso deve vir acompanhado de mobilidade..
Qual é o conselho que deixa para a juventude moçambicana emancipar-se?
Os jovem têm que se autocapacitar. Quem estudou pensa que não precisa mais de aprender, mas o conhecimento evolui/muda todos os dias. E se não continuamos a estudar, em dois anos ficamos ultrapassados, principalmente a nível tecnológico, e assim devemos nos actualizar constantemente para nos adaptarmos rapidamente às mudanças. Por outro lado, os jovem devem aproveitar da melhor maneira as plataformas digitais para aprender. Cada jovem moçambicano deve saber filtrar o que quer para si e desligar-se de tudo que lhe está a desviar do seu foco, que é produzir.
Se continuarmos a aprender todos os dias automaticamente nós vamos começar a ver oportunidades onde sequer pensávamos que existem.