A partir de ontem, duas escolas, que recebem 4500 alunos, passaram a contar, cada uma, com três novas salas de aulas. Projecto Karibu, promovido pela ONG Helpo, permitiu o regresso aos estudos de milhares de crianças como Quiquibe, Abdala, Joaquina e Lidi.
Quando grupos armados atacaram Mocímboa da Praia, em 2019, Quibibe Abibo não teve alternativa senão fugir com os pais, irmãs e avó, deixando tudo para trás. Da mesma forma, Abdala Abdul escapava com os pais, irmãos e sobrinhos para Macomia, 140 Km a sul.
Ao som de disparos, também Joaquina Navio fugiu com a família de Muatide, salvando apenas as suas vidas. Lidi Sefo escapou de Quissanga Sede.
O passado destas quatro crianças, hoje com idades entre os 8 e os 15 anos, segue um enredo demasiado parecido com o de milhares de outras deslocadas pelos ataques em Cabo Delgado, a província mais a norte do país.
Hoje, cada uma delas tem a possibilidade de construir o seu próprio futuro e de seguir uma vocação.
A mudança de perspectiva tem uma explicação simples: nos seus caminhos, surgiu a escola. Duas escolas, na verdade – a Escola Primária Completa Mahate e a Escola Primária Completa Carlos Lwanga, ambas em Mahate, um bairro periférico perto do aeroporto de Pemba, onde as quatro crianças hoje habitam, e onde estudam.
Estas duas escolas que, no conjunto, recebem quase 4500 crianças, muitas das quais deslocadas da guerra, estrearam ontem, cada uma, três novas salas de aulas, numa iniciativa conjunta da Fundação Galp e do Instituto Camões, no âmbito do projecto Karibu, desenvolvido pela organização não governamental Helpo.
O seu foco é o combate a todos os factores que contribuam para que as crianças abandonem a escola.
O projecto Karibu foi lançado pela Helpo há cerca de um ano no bairro de Mahate, o que permitiu que Quiquibe, Abdala, Joaquina e Lidi conseguissem retomar os estudos, interrompidos pelas suas odisseias.
Quibibe, de sorriso fácil, pertence à etnia Mwani e chegou a Mahate em Fevereiro de 2020, à boleia num camião. Vive em casa do tio juntamente com 15 pessoas. Abdala vive em casa de um amigo da família com mais 14 pessoas. É uma criança cheia de energia e aos poucos vai melhorando o seu português. Lidi quer ser médica.
A inauguração das seis novas salas de aula contou com as presenças do Governador da Província da Cabo Delgado, Valige Tauabo, do Embaixador de Portugal em Maputo, António Costa Moura e do Director Provincial de Educação em Cabo Delgado, Ivaldo Quincardete, além de representantes das entidades envolvidas, das escolas e dos alunos.
O dia terminou na Biblioteca Pública Provincial Samora Moisés Machel, com a inauguração da exposição Escola do Caminho Longo, com histórias de outras 20 crianças, demasiado parecidas com as de Quiquibe, Abdala, Joaquina e Lidi, cujas vidas foram igualmente resgatadas com a ajuda da Helpo.
As histórias foram recolhidas pela escritora Maria João Venâncio e pelo fotógrafo Luís Godinho, num projecto apadrinhado pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e serão convertidas no livro “A aldeia que os monstros engoliram”, numa edição apoiada pela Fundação Galp.