Nos últimos dias, há uma onda estranha de sumiço das nossas crianças. As redes sociais andam inundadas de fotografias de crianças desaparecidas. Claro que isso assusta a qualquer um. E todo esse vento estranho, que nos rouba as nossas crianças, é sacudido por um enorme e pesado silêncio das nossas ditas autoridades. Ninguém fala nisso e ninguém põe um pingo de preocupação nisso tudo. Diz um provérbio húngaro: qualquer bocadinho acrescenta, disse o rato, e fez chichi no mar. Um bocadinho de preocupação da nossa polícia já podia acrescentar qualquer coisa…
Talvez estejamos de volta aos anos dos “tatá mamã, tatá papá”. Quem não se recorda das crianças que sumiram nesses tempos, das famílias que até hoje procuram pelos filhos que se evaporaram na nossa cidade? Claro que nessa altura havia um pingo de preocupação da nossa polícia, a comunidade estava de olho e um e outro caso eram abortados. Mas hoje, temos uma polícia cega, que enche as ruas para inspeccionar BI’s e correr atrás de refrescos e notas para almoço.
Estão a sumir as nossas crianças, crianças de gente pobre, estamos a ver famílias, todos os dias, que dormem com menos uma criança dentro de casa, famílias que vão tacteando as ruas, como cegos, à procura dos filhos. Os nossos filhos viraram mercadoria nos bairros em que vivemos e nós ainda não sabemos disso. Nossos bairros viraram campos de refugiados e é preciso estar sempre de olho aberto, pois a qualquer momento pode surgir uma cegonha e carregar os nossos filhos.
Quando for tarde demais é que a nossa polícia vai “envidar esforço com vista à localização dos autores desses actos macabros”. Agora nada se faz. Infelizmente temos essa polícia que corre atrás de pegadas e nunca de quem faz as pegadas. Esse é o puro cenário dos anos dos “tatá mamã, tatá papá”, meu Deus. O cenário do sumiço das crianças, o cenário da distribuição de lágrimas nas nossas famílias.
Abro parêntesis, aqui, para falar do meu amigo Andrade. Andava na Escola Primária Unidade 13, em Maputo, e numa dessas tardes sumiu. Sumiu para nunca mais. Até hoje ninguém sabe dele e ninguém sabe que raio de cegonha carregou o Andrade. Os seus pais, depois desse episódio, carregaram tudo e sumiram do bairro, pois tinham receio que vissem os seus sete filhos sumindo do mesmo jeito. Ainda me recordo do Andrade, do seu sorriso sincero, da marca de nascença que tinha no lábio de baixo. Vou fechar os parênteses. Não sei ao certo se um dia voltarei a ver o Andrade, só sei que hoje, tal como ontem, há muitas crianças que poderão sumir como o Andrade.
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