A única vez que vi um padre branco, no bairro, foi quando um dos acólitos da Igreja de São José de Lhanguene fez anos. As senhoras do bairro se tinham pendurado nos quintais e iam apanhando pequenos restos de bênçãos, em forma de cruz, que o Padre Pestana atirava em todos os becos. Disputavam as bençãos como cadelas sobre um osso.
O Padre Pestana cantou, orou e abençoou o acólito. E nós, estendidos sobre o quintal do acólito, vimos o Padre de olhos fechados a derramar, de mãos abertas, bençãos sobre terrinas de feijoada e uma bandeja de salada de alface murcha com cadáveres de moscas boiando de patas ao léu.
Depois chegou a hora de o Padre ir-se embora. Jesus Cristo foi solicitado por uma oração para acompanhar o Padre. Era tarde e Jesus Cristo devia estar a dormir, porque o Padre foi acompanhado por duas senhoras gordas da igreja.
À saída de um antigo armazém, dois sujeitos bloquearam o caminho do Padre. Enxotaram com um pontapé as senhoras, arrancam o relógio de prata do Padre, despregaram um terço do pescoço do Padre e Jesus Cristo, de mãos abertas na pequena cruz, rendeu-se ao assalto.
“Estão a matar Padre Pestana”, gritaram as duas senhoras e o bairro todo saiu para o beco. 2 Pac, um grande assaltante do bairro, conseguiu, depois de horas de perseguição, trazer um dos ladrões embrulhado numa corda e com o terço na mão. A polícia quando chegou, encontrou um cadáver cheio de sangue no lugar do ladrão.
E no dia seguinte, na missa, o Padre orou pela alma do ladrão e pediu a Deus para que desse prosperidade a 2Pac em nome do terço que tinha recuperado: “que a obra desse homem multiplique-se”.
E a obra de 2Pac multiplicou-se no bairro. Deixou de roubar panelas no bairro, passou a roubar fogões e botijões de gás. Em horas livres dedicava-se a violações de raparigas e, de quando em quando, enchia sacos com roupa molhada dos estendais. A sua obra multiplicou-se em outros bairros vizinhos e derramou processos em esquadras.
E 2Pac, pelo sucesso nos roubos, pelas fugas impressionantes às rusgas da polícia ganhou um novo nome “O Abençoado Pelo Padre Pestana”. Anos e anos a polícia à procura pelo Abençoado e nada.
Quando eu tinha 15 anos, o Abençoado foi baleado no bairro Luís Cabral. À beira da morte, no hospital José Macamo, foi visto o relógio do Padre Pestana no pulso do Abençoado. O relógio marcava a hora certa da partida do Abençoado e do fim da sua obra que não parava de se multiplicar.
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