Eu estou a ficar farta, farta…

Eu estou a ficar farta, farta…

É a quarta vez que colocas a toalha molhada sobre os lençóis, é a quarta vez que vejo as tuas meias espalhadas pelo quarto como pequenos engenhos explodindo de chulé em todos os cantos do quarto, é a quarta vez que me inclino para tirar duas camisas tuas debaixo da camisa.

Será que para fechar a torneira precisas da ajuda dos bombeiros? Veja a tua camisa que lavei ontem no cesto de roupa suja, veja as tuas pegadas molhadas sobre o tapete, veja a tua escova de dentes cheia de restos de comida sobre cabeceira, veja as tuas cuecas dentro dos sapatos no lugar das meias. E nem te resta tempo para trocar a ficha tripla do ferro de passar e nem te resta tempo de cortar estas tuas unhas; viste o que elas me fizeram na noite passada?

É a quarta vez que arrumo isto e parece que do nada passas tu como um enorme furacão, é a quarta vez que encontro a tua carteira debaixo da cama, é a quarta vez que esta camisa cheira a um perfume que não é teu, é a quarta vez que encontro um fio de cabelo na gola do teu casaco, pensas que eu sou uma palhaça? Pensas que esta aliança é um nariz de borracha que me torna uma palhaça? Pensas que quando me maquilho é para ser tua palhaça? Passo-me com toda esta desorganização.

É a quarta vez que reparo na fechadura da porta porque nesta casa não há homem, nesta casa a única que faz tudo sou eu, é quarta vez que encontro o sabão desfazendo-se no polibã. Eu estou a ficar farta, farta. Pensas que não dei por ti quando falavas com as tuas putas na varanda? Pensas que me ralo com isso? Nem um pouco, meu bem.

Por um triz não me casava contigo, por um triz estaria a viver com o Osvaldo, mas eu tive dó de ti. Mas um dia, sem pestanejar, arrumo tudo, mando os miúdos para a casa da minha mãe e vou-me embora, quero ver que besta te vai aturar, quero ver a mulher que vai aceitar ser depenada por ti, quero ver se não ficarás na rua espanejando moscas.

É a quarta vez que te espio quando falo e vejo que não te ralas com nada do que digo, pensas que vou ter pena de ti? Nunca, pena tenho do salto do meu sapato. Eu não sou palhaça, tu deves perceber isso. Já me esquecia, viste a mensagem da tal “BR Guida” desejando-te uma “maravilhosa noite”. Pensas que não vi?

Minha vontade é de matar-te. Estou farta de tudo, maldita hora que me enchi de emoção e disse sim para ti, maldita hora que te achei homem quando te vi saracoteando pela rua. Tu nunca vais encontrar uma mulher paciente como eu. E digo-te mais: um dia vais chorar por mim e será tarde, tarde demais.

É a quarta vez que reparo em ti e vejo que mesmo assim gosto de ti. Até ficas feliz, achas mesmo que gosto de ti? Estás enganado. Se não fosse por causa dos miúdos, meu bem, eu já estaria longe de ti. És um estúpido e nem sei porque essas mulherzinhas andam atrás de ti.

É a quarta vez que te digo que é a quarta vez. É a quarta vez que colocas a toalha molhada sobre os lençóis e colocas-me sobre ti, em lágrimas, porque também sou a tua toalha. Termino por aqui porque tenho mais que fazer, não sou a tua mãe para te dar educação. Chega destes queixumes. Chega. Fui.

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