Corri com tralhas para entregar a um amigo que já estava com as malas prontas e as horas esgotadas para regressar a Maputo. Eram tralhas de saudades, de falta, de lágrimas que queria que ele ajeitasse-me na sua mala. Fiz tudo a correr, de modo que a caixinha de saudades fazia barulho como uma caneca num poço…
Arrastei tudo ao hotel. O recepcionista, antes mesmo de cumprimenta-lo, desviou-me pelo indicador ao elevador. Era um tipo alto que tapava o bocal do telefone equilibrado ao ombro para fazer registos de datas num papel. “Reserva para o fim do ano, dois casais”.
O quarto do fulano que partia estava no quarto andar. O elevador ressonou, dois alemães de cabeças plantadas no telhado do elevador, como futebolistas entoando o hino nacional, ordenaram ao elevador que avançasse. Fiquei ali plantado e vendo pelos números, o elevador cavando sem parar o prédio: -1, -2, -3…
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E no elevador estava o senhor ministro; ao seu colo estava deitada uma mulata,…
Esperei pelo segundo corredor. As empregadas do hotel surgiam das pontas, como larvas, conduzindo gruas e camiões carregados de entulho de lençóis sujos e mantas com cheiro azedo dos turistas. O elevador novamente chegou a mim, arrastei as tralhas e entrei.
E no elevador estava o senhor ministro; ao seu colo estava deitada uma mulata, de cabeça murcha. De quando em quando, miavam-se palavras e o senhor ministro imigrava as mãos ao sutiã da mulata. Os beijos eram carregados de litros de saliva, dentro desses beijos era possível ouvir as suas línguas nadando como objectos afogados.
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Era ele, o senhor ministro do meu país.
Era ele, o senhor ministro do meu país. A mulata, que tinhas as bochechas do rabo nas mãos do senhor ministro, a dado momento disse: “olha que o tempo já começou a contar aqui”. E o senhor ministro ria-se sem parar e, quando parava, mexia o bolso e explodia mais um beijo na mulata.
Chegamos ao sexto andar, puxei as tralhas, eles seguiam até ao nono. Baixei a máscara e disse no último segundo quando a porta do elevador juntava-se em jeito de beijo como eles: “bom proveito, senhor ministro da minha terra”. Dois minutos depois, quando tentava achar o quarto do fulano, vi o senhor ministro atrás de mim. “É o senhor jornalista, não é?”. E eu já sabia que o senhor ministro andava por cá, pois não deu as caras no último conselho de ministros.
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“é a vida, amigo. Quem não gosta de viver?”.
O senhor ministro olhou-me como uma criança aflita num miolo de pão. Fez um discurso longo e no fim tirou 200 euros e disse-me “é a vida, amigo. Quem não gosta de viver?”.
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