As nossas empregadas domésticas chegam à cidade com os hábitos do mato, descem dos camiões e nós recebemo-las tal como os senhores recebiam seus escravos descendo dos navios negreiros. São meninas incivilizadas a quem lhes ensinámos a religião, adestrámo-lhes os dedos para saberem manejar o garfo e a faca e educámo-las para a sua profissão: buscar água para o nosso prédio, despejar as nossas fezes, passear com os nossos cães, levar a miúda à escolinha, lavar o seu único avental ao final do dia, comprar cigarros, cozinhar, nunca se sentar na sala e a dizer “Patrão e Patroa”.
Somos pretinhos como as nossas empregadas, mas quando pegam no telemóvel e falam suas línguas rimo-nos, porque não queremos que nossos filhos aprendam esses idiomas ruidosos como latidos de cães. Ensinámo-las a lavar os dentes, raspámos seus cabelos fortes como capim, clareiam com o nosso ar condicionado a pele e metemos nelas a língua que se fala na cidade.
E quem disse que são escravas? Não têm direito a salário, porque já comem às nossas custas e viver no prédio é já um pagamento de luxo. De quando em quando embrulhamos roupa que já não usamos, sabão, açúcar, sal e comida enlatada fora do prazo e enviamos aos seus familiares do mato. Não são escravas, são nossas empregadas. Só usam as escadas e não o elevador.
As escravas eram vendidas e herdadas, mas as nossas empregadas só vão ajudar em casa dos nossos primos, tios, irmãs, afilhados e quando morremos chamam de patrões aos nossos filhos. As escravas tinham proprietários e as nossas empregadas têm patrões.
Há aquelas empregadas lindas que as levamos à cama, ensinamo-las a engolir o pénis do patrão com a vagina, porque nada disso sabem. Às escravas é que era exigido serviço sexual por seus senhores. As nossas empregadas aprendem connosco a ganhar a vida com o corpo. E elas guardam isso em segredo. Quando engravidam abortam e ficam dois dias em repouso, porque são nossas empregadas e não escravas.
O preço de venda de escravos dependia do sexo, a idade e a condição física, mas nós não olhamos a isso. Queremos as empregadas mais novas e atenção apenas contratamos meninas e nunca meninos.
E quem disse que elas são escravas domésticas?
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