Do lixo às próteses sustentáveis

Marta Uetela é uma jovem moçambicana licenciada em engenharia Mecânica e destaca-se no mundo do empreendedorismo sustentável. A BioMec é uma start-up que desenvolve uma variedade de próteses usando material reciclado e já foi distinguida numa competição mundial.

Tudo começou da necessidade de ajudar um ex-colega da faculdade que tinha dificuldades para se locomover. “Sim, um colega meu sofreu um acidente de viação e teve imensas dificuldades em ter acesso as próteses. Quer pelo preço, quer pelo tempo que levava a construir até pelo aspecto da própria, prótese”, revela Marta Uetela, fundadora da BioMec, uma start-up que desenvolve uma variedade de próteses usando material reciclado (redes de pesca e recipientes plásticos).

E foi numa dessas campanhas de recolha de lixo (garrafas plásticas e redes) na praia da costa do Sol que veio a ideia. “Sabe, a meio de uma dessas actividades percebemos que estávamos a recolher este material todo (lixo) e depois onde é que vai parar? Questionou-se a jovem empreendedora. “E veio esta ideia de que podemos reutilizar este material e fazer próteses não é, diz a jovem. E foi dessa forma que o lixo viria a ser transformado num bem precioso para pessoas que têm problemas de amputação… e daí “nunca mais parámos”, refere a jovem que trocou a mecânica pelo empreendedorismo social.

No arranque a BioMec contava apenas com três pessoas. “Hoje já temos uma equipa de 15 pessoas de várias áreas de formação. Em termos do nível de produção, “esperamos que até ao final do próximo mês o número de produção atinja 500 próteses”. A BioMec tem-se tornado aos poucos uma referência na produção de próteses e tem estado a trabalhar com algumas organizações da sociedade civil. “Após uma pequena pesquisa, descobrimos que 90% da população amputada em Moçambique não tem acesso às próteses”. “O nosso objectivo é levar a prótese a um maior número de pessoas a um preço acessível”, refere.

A recolha e produção

A produção de próteses segue várias etapas deste a recolha (que inicia no mar) até à produção propriamente dita. “Após a recolha, faz-se a selecção, isto porque têm de ser diferentes tipos de plásticos”, justifica a jovem empreendedora.

Após a selecção segue-se uma rigorosa limpeza do material (plásticos e redes). A seguir a isto, as garrafas e redes passam por uma máquina que transforma “este material em pequenos fragmentos”, explica a empreendedora. E diz mais: “Sim, há também um outro processo que transforma este material em filamentos, e depois disto é um processo todo de injecção de moldes e tecnologia 3D e por fim temos acesso a isto”, refere apontando para uma das próteses na sua mesa.

Até ao momento a matéria-prima é adquirida de forma gratuita. E o custo de produção ronda em torno de mil meticais. “Isso nos permite ter o produto no mercado a um preço muito competitivo”, adianta. “Estamos a falar de um produto que fica disponível no mercado a um preço final de 3800 meticais”. “Não há comparação possível com o processo regular de próteses que por exemplo, envolvem superplásticos… e os preços chegam a 25 mil meticais e até mais”, refere.

Diferente do processo convencional (que leva 4 dias ou mais), a produção total de uma prótese na BioMec leva 24horas. “Claro que isso também depende do nível de amputação, mas o máximo que já levámos foi 24h na produção de uma prótese”, clarifica a empresária.

Em termos de equipamento a BioMec já investiu até ao momento cerca de 50 mil dólares. Os números são esses, mas claro, isso não começou assim. “A nossa primeira linha de produção, semi-industrial foi cerca de 10 mil euros”, revela ao MZNews. E o tempo trouxe novos resultados. “Actualmente temos o modelo de negócio que está virado mais para o cliente e para algumas ONG’s”, diz, ′orgulhosa′. Se há um ano a capacidade de produção era uma prótese por dia, hoje, com mais máquinas (todas adquiridas no exterior), essa aumentou para 4.

No ano passado a BioMec foi considerada a terceira melhor start-up criativa em África e entrou para o Top 10 mundial no ClimateLaunchPad, a maior competição de negócios verdes a nível global, depois de participar numa acção desenvolvida pela ideiaLab.

“Sempre fui apaixonada pelo ambiente, o que acabou por me levar ao envolvimento com algumas organizações viradas para a educação ambiental e desperdício zero”.

Ao nível pessoal “a BioMec ajudou-me a crescer… abriu-me portas para diversas oportunidades, mas também o próprio desenvolvimento, pois não é muito regular que em Moçambique se crie um produto médico do zero”, confessa.

E a médio longo prazo “queremos ser uma referência na produção de produtos médicos, mas de uma forma sustentável”. Vontade e dedicação não lhe faltam.

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