Autor: Vicente Sitoe
Recentemente lembrei-me de uma pergunta que um dos meus colegas de faculdade colocou à Professora da disciplina de Psicologia de Comportamentos Desviantes: se era possível fazer-se diagnóstico psicológico à distância, sem contacto com o paciente.
O diagnóstico virtual, que é assim como tecnicamente se chama, é uma prática costumeira. Embora não seja ético ou cientificamente preciso diagnosticar pessoas, incluindo líderes, com condições de saúde mental sem uma avaliação clínica profissional, à distância se consegue levantar hipóteses sobre a sua saúde mental. Historiadores, psicólogos e estudiosos de liderança frequentemente apontam comportamentos associados ao narcisismo patológico (ou Transtorno de Personalidade Narcisista – TPN) em figuras históricas e políticas com base nas suas acções e no seu legado. O narcisismo patológico não é uma condição que automaticamente leva ao autoritarismo ou ao caos. Há líderes com traços narcisistas que podem canalizá-los positivamente. Algum nível de narcisismo pode ser útil para inspirar confiança e visão, porém a sua forma extrema é destrutiva. Os líderes com essa característica frequentemente minam as estruturas que deveriam proteger, preferindo servir a seus próprios interesses.
A nossa Professora explicou que Walter C. Langer foi o autor de um dos primeiros perfis psicológicos de um líder histórico baseados exclusivamente na observação e em informações indirectas. Em 1943 ele escreveu “The Mind of Adolf Hitler”, durante a Segunda Guerra Mundial, a pedido do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS – sigla em inglês), precursor da CIA. O objectivo do relatório era fornecer aos Aliados uma compreensão das motivações e possíveis comportamentos futuros de Hitler, o que lhes permitiria prever e antecipar os seus passos. A análise foi baseada em relatos de pessoas que haviam convivido com o Hitler, suas acções públicas e privadas, e nos seus discursos.
Principais conclusões de Langer
- Diagnóstico psicológico: Langer identificou que Hitler apresentava tendências paranoides, narcisismo extremo e características de esquizofrenia. Ele também destacou a profunda insegurança de Hitler, mascarada por um comportamento autoritário e uma imagem pública cuidadosamente polida.
- Previsão de comportamento: Langer previu que, se derrotado, Hitler poderia recorrer ao suicídio como uma maneira de evitar a humilhação. Essa previsão acabou se confirmando.
- Dinâmica entre líder e povo: Langer explorou como Hitler manipulava as massas usando propagandas, discursos apaixonados e a identificação de bodes expiatórios (no caso, os judeus) para canalizar o descontentamento social e consolidar a insatisfação popular.
Erich Fromm, outro psicanalista renomado, em “O Coração do Homem”, descreveu Hitler como alguém com tendências necrofílicas, ou seja, fascinado pela morte, destruição e controle absoluto. Segundo Fromm, líderes narcisistas podem apresentar comportamentos perigosos. Alguns traços que favorecem a agitação social incluem:
- Busca por devoção cega: Manipulam seguidores para criar uma base leal, promovendo uma doutrina que coloca o líder como infalível.
- Polarização: Dividem pessoas e comunidades em alas, tais como “nós contra eles”, “santos contra os corruptos”, “puros contra os impuros”, usando o medo e as promessas de grandeza ou futuro melhor para mobilizar seguidores.
- Intolerância a críticas: Reagem com raiva ou desvalorização a qualquer oposição e olham para os críticos como inimigos.
- Uso de carisma e retórica emocional: Envolvem seguidores em discursos apaixonados que obscurecem análises racionais e promovem acções impulsivas.
A crise pós-eleitoral em Moçambique ilustra como tais características podem alimentar conflitos, especialmente quando amplificadas pelo comportamento de massas descrito por Le Bon.
O Transtorno de Personalidade Narcisista é caracterizado por um senso inflado de autoimportância, necessidade excessiva de admiração e falta de empatia. Pessoas com TPN frequentemente se veem como especiais e acreditam que merecem tratamento diferenciado. São obcecadas por fantasias de sucesso ilimitado e poder, além de serem extremamente sensíveis a críticas. Em momentos extremos, assumem-se como figuradas endeusadas.
No âmbito corporativo, líderes como Steve Jobs são frequentemente citados como exemplos de indivíduos que usaram traços narcisistas para transformar indústrias e inspirar inovações. Em Moçambique, gestores visionários em grandes empresas têm mostrado que a ambição e a autoconfiança, quando bem direccionadas, podem trazer progresso significativo.
Quando analisamos líderes que abusam de traços narcisistas para manipular, devemos considerar o papel das massas. Gustave Le Bon, psicólogo social francês, explorou esse fenômeno em seu clássico “Psychologie des Foules” (Psicologia das Massas), publicado em 1895. Ele argumenta que, ao fazer parte de uma multidão, o indivíduo perde o senso crítico e a capacidade de pensar de forma independente, sendo levado por emoções colectivas. Uma das suas citações mais conhecidas é: “Na multidão, o indivíduo adquire, pelo simples facto de fazer parte dela, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos que, isoladamente, ele teria mantido sob controle. A multidão é impulsiva, volúvel, intolerante, e tende a acções que um indivíduo jamais cometeria sozinho.”
Essa dinâmica, olhada de uma perspectiva moderna, explica como líderes carismáticos e narcisistas conseguem galvanizar apoio incondicional, mesmo quando as suas acções vão contra os interesses individuais ou sociais. Embora as lições de Langer e Fromm sejam históricas, elas continuam a ecoar no presente. Líderes com traços narcisistas, sejam eles políticos ou corporativos, têm a capacidade de moldar sociedades inteiras, para o bem ou para o mal. A crise pós-eleitoral em Moçambique ilustra como tais características podem alimentar conflitos, especialmente quando amplificadas pelo comportamento de massas descrito por Le Bon. (Autor: Vicente Sitoe)
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