A liberdade de imprensa em todo o mundo está a ser ameaçada pelas mesmas pessoas que deveriam ser o seu guardião, as autoridades políticas. Em Moçambique, “a reeleição de Filipe Nyusi e o frágil acordo de paz com antigos rebeldes não abrandaram o preocupante declínio da liberdade de imprensa”.
A conclusão é do Índice Mundial de Liberdade de Imprensa 2024: Jornalismo sob pressão política divulgado nesta sexta-feira, 3 de Maio, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, pela organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que regista uma queda média global de 7,6 pontos.
Moçambique registou uma descida de três posições, ocupando agora o 105.º lugar. Contudo, entre os países africanos de língua portuguesa, o destaque vai para Angola que deixou o grupo de Estados em situação difícil para problemática e subiu da 125a. posição em 2023 para 104a. em 2024, num total de 180 analisados.
Os demais lusófonos em África, segundo uma publicação da VOA, caíram no Índice.
Cabo Verde continua a ser o melhor colocado e o único que integra o grupo de países em situação satisfatória, mas caiu oito lugares, da 33a. posição para 41a.
A Guiné-Bissau passou do 78o. lugar para o 92o., menos 14 lugares, Moçambique, desceu da posição 102 para 105, menos três lugares, e ambos continuam no grupo de países em situação difícil.
São Tomé e Príncipe não foi incluído no Índice.
Na análise por países, embora ainda muito breves, o documento diz que em Angola, “a posse de um novo Presidente, João Lourenço, em Setembro de 2017, pós fim a quatro décadas de Governo da família Dos Santos, mas não marcou um ponto de viragem para a liberdade de imprensa” e sublinha que “a censura e o controlo da informação ainda pesam sobre os jornalistas angolanos”.
Na Guiné-Bissau, dizem os RSF, a “acentuada deterioração da segurança dos profissionais da comunicação social, combinada com pressões políticas e económicas, pôs à prova a prática do jornalismo nos últimos anos”.
Em Moçambique, “a reeleição de Filipe Nyusi e o frágil acordo de paz com antigos rebeldes não abrandaram o preocupante declínio da liberdade de imprensa”.
O Índice ressalva que “Cabo Verde destaca-se na região por um ambiente de trabalho favorável aos jornalistas, a liberdade de imprensa é garantida pela Constituição”, no entanto, os chefes dos meios de comunicação estatais, que dominam o panorama mediático, são nomeados diretamente pelo Governo”.
Os guardiões da liberdade falharam
A nível global, a organização não governamental com sede em Paris faz notar no relatório que “este ano é notável uma clara falta de vontade política por parte da comunidade internacional para fazer cumprir os princípios de proteção dos jornalistas, especialmente a Resolução 2222 do Conselho de Segurança da ONU, com violações contra jornalistas e meios de comunicação social desde Outubro de 2023”.
Mais de 100 repórteres palestinianos foram mortos pelas Forças de Defesa de Israel, incluindo pelo menos 22 no decurso do seu trabalho, destaca o Índice, que coloca a Palestina no 157º lugar.
“À medida que mais de metade da população mundial vai às urnas em 2024, a RSF alerta para uma tendência preocupante revelada pelo Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2024: um declínio no indicador político, um dos cinco indicadores detalhados no Índice. Os Estados e outras forças políticas estão a desempenhar um papel cada vez menor na proteção da liberdade de imprensa”, escreve na introdução do relatório a diretora dos RSF.
Anne Bocandé diz que “esta perda de poder é por vezes acompanhada de ações mais hostis que prejudicam o papel dos jornalistas, ou mesmo instrumentalizam os meios de comunicação através de campanhas de assédio ou desinformação”, e conclui, “o jornalismo digno deste nome é o contrário”.
Violência contra jornalistas na África Subsariana
No capitulo reservado a África, o documento refere que as eleições na África Subsariana resultaram numa grande violência contra jornalistas e meios de comunicação social por parte de atores políticos e dos seus apoiantes.
“Foi o que aconteceu na Nigéria (classificada em 112º lugar no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2024), onde quase 20 repórteres foram atacados no início de 2023, em Madagáscar (100º) 10 foram atacados pelas atividades políticas durante protestos pré-eleitorais, na República Democrática do Congo (123.º), os políticos tentam frequentemente intimidar o pessoal dos meios de comunicação social, como o caso da prisão da jornalista Stanis Bujakera que foi impedida de cobrir a eleição por ter sido detida por uma acusação forjada”, lê-se no documento.
“Durante as eleições, os políticos também tentaram utilizar os meios de comunicação social como instrumentos para exercer influência e impor autoridade”, alerta os RSF, que apresentam os casos do Senegal, RDC e Nigéria, “onde os políticos criaram por vezes os seus próprios meios de comunicação social”.
Outros países da região utilizaram o método de manipulação dos reguladores dos meios de comunicação social – cujos membros muitas vezes apoiam as autoridades políticas ou seguem as suas ordens – para suspender os meios de comunicação sem referência a qualquer juiz.
Embora o Zimbabué (116º) e o Gabão (56º) tenham subido no Índice, “as autoridades políticas de ambos os países reforçaram o seu controlo sobre as notícias e informações no período que antecedeu as eleições, desligando arbitrariamente a Internet, expulsando jornalistas estrangeiros ou interrompendo a cobertura da comunicação social estrangeira”.
Tais práticas também foram observadas na Guiné.
Os RSF revelam que as restrições ao acesso à informação aumentaram ainda mais no Sahel, “onde vários países suspenderam a retransmissão local de meios de comunicação estrangeiros, principalmente franceses.
“O Níger (80.º) caiu 19 lugares em consequência das medidas draconianas adotadas pela Junta Militar que tomou o poder num golpe de Estado em Julho de 2023, a situação está longe de ser brilhante no Burkina Faso (86.º), que caiu 28 lugares, e no Mali (114º)”.
O documento destaca que é precisamente um país africano, a Eritreia (180.º), que ocupa o último lugar no Índice de 2024, sendo “um deserto de informação ao longo dos anos”.
Entretanto, a Tanzânia e as Maurícias registaram uma breve melhoria.
Melhores e piores
O Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2024 lembra que 12 jornalistas foram mortos, em todo o mundo, neste ano, e que até hoje 544 jornalistas e 26 profissionais dos meios de comunicação foram detidos.
A classificação dos RSF é encabeçada pela Noruega, Dinamarca e Suécia e na cauda estão Afeganistão, Síria e Eritreia.
Os Estados Unidos ocupam a 55a. posição, menos 10 que em 2023, Portugal, que integra o grupo dos países numa situação boa, subiu dois lugares, 7.º. lugar, e Brasil subiu 10 lugares, passando a ocupar a 82.ª. posição.
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