Insurgência e pandemia arruínam famílias de pescadores em Cabo Delgado

Amisse Assane é pescador há 25 anos em Cabo Delgado, norte do país, mas as águas ricas que lhe davam rendimento estão agora vedadas pelas forças de segurança por causa da insurgência armada na região.

“Já foi possível fazer dez mil meticais num dia, mas hoje não”, explica Assne à Lusa em quimuâni, uma das línguas locais, a que é usada por todo o grupo.

Jovens, com blusas gastas pelo sol e pela água salgada, juntam-se no areal de Pemba, capital provincial, para puxarem as redes do mar, um dos passos da actividade artesanal.

“As coisas mudaram e a gente só faz, no máximo, três mil meticais” em pescado, e a dividir pelo grupo, que cedo se faz à faina, com redes artesanais, a partir de Pemba.

A rotina é contada com sofrimento, porque Assane, 47 anos, é pai de cinco filhos que sustenta através da pesca – é assim desde 1997, numa casa em Pemba feita com o rendimento que tem vindo a minguar.

Desde o agravamento dos ataques armados em 2019, os pescadores viram-se interditados pelas forças de defesa e segurança das ilhas de Matemo, Vamizi, Olumbi e zona de Mucojo, relata.

“Nós pescávamos lá perto porque conseguíamos muito peixe nessas zonas”, referiu.

Mas os grupos rebeldes que há quatro anos e meio infernizam Cabo Delgado têm navegado pelos mesmos locais, umas vezes dizimando a população, outras misturando-se com ela.

De uma forma ou de outra, têm sido alvo das tropas que pretendem limpar as áreas, o que implica limitações de acesso.

João Bento, 36 anos, outro membro do grupo, diz que nunca tinha vivido um momento tão difícil como este, com ataques rebeldes e a restrições associadas à covid-19, uma pandemia que desfez o grupo e paralisou as actividades.

A filha mais nova de Bento ficou doente, com anemia aguda por desnutrição, pois é da pesca que ele também consegue dinheiro para comprar alimentos.

As fortes medidas de segurança nas ilhas, para evitar contacto com rebeldes, e a interdição de aglomerados em todo o lado, para travar a covid-19, deixaram-no de mãos a abanar.

“À minha filha foi diagnosticado um problema, anemia, porque não se alimentava bem. Tudo porque eu não ia à pesca e era só comer ‘xima’ [papas] de mandioca seca todos os dias, com folhas, sem outros ingredientes”, conta à Lusa.

Olha para o mar com lágrimas nos olhos, porque a situação o obrigou a endividar-se por um valor de cinco mil meticais para salvar a vida da pequena Suzana, na altura com 05 anos.

Com calções ou calças arregaçadas, entram no mar com água até ao joelho: um barco chegou e há redes com peixe para trazer para terra.

A pesca na cidade de Pemba é uma alternativa de trabalho, mas está longe de responder às expectativas, diz Alberto Nkabassada, 59 anos, o mais velho do grupo.

Exerce a actividade desde 1982 e hoje tem um filho licenciado, graças ao trabalho feito no mar.

“Na altura era um emprego, hoje considero-a um biscate”, disse à Lusa, acrescentando que não sabe ao certo o que será do seu futuro: a vida está difícil e não domina outra arte senão a pesca.

No grupo, todos pedem paz em Cabo Delgado, para que voltem a pescar nas ilhas de Matemo, Vamizi, Olumbi e junto a Mucojo: “É lá que estão as boas pescarias”.

“Pedimos ao governo para continuar a reforçar a segurança, queremos voltar às zonas que outrora foram um sucesso para o grupo”, conclui Nkabassada, tratado pelos colegas como ‘maestro’.

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