Qual é a tua cidade? Como são as curvas, as nádegas? Eu não a conheço, mas aposto que é, redondamente, como a minha!
Vista de cima, é uma silhueta feminina, sem igual. Linda e excitante, e até o vento abranda para ver seus movimentos! Durante as horas do sol, o verde das árvores toma conta das ancas, e, à noite, a luz dos imóveis diz que é tudo florescente. É tudo muito poético!
Mas é tudo muito patético quando sou levado a ver o que há por entre as suas nádegas. Aí deixo o drone, até porque o parlamento já limitou o seu uso.
No chão da cidade, sinto que o cheiro do lixo é perfume onde paira a corrupção. Aliás, todas as avenidas, ruas, becos, ruelas e pracetas são o espelho da má gestão urbana. Todos esses locais são verdadeiros aterros sanitários.
Na minha cidade, as montanhas de lixo reciclam o descartável, fermentam os fetos de abortos de virgens estupradas pelo sistema, e criam cascatas de aguardante para os munícipes.
A nós, o povo, a bebida que nos é dada a consumir, sem taxa de imposto cobrada, é-nos servida, disfarçadamente, num discurso antissistema, o novo ópio. O servente é um fato preto à medida, gravata cor de revolução, cabelo aparado, e um par de óculos que lhe dá um charme de inteligência.
Sim, a inteligência, cada vez mais abstracta entre os gestores dos transportes públicos. Talvez porque desconhecem o bafo madrugador de um cobrador de chapa; os molhos dos sovacos de quem acorda antes do sol para penhorar-se e semear-se nas paragens improvisadas à espera de chapa; as pessoas de lata, que vivem em casas de chapa, e nas chapadas do dia-a-dia chapam uma imagem de um município a crescer, o mesmo onde os filhos das colômbias sucumbem a fornicar plantas e pós, chapados no asfalto de poços sem remendos, e a filhas da perdição chupam tudo menos nada.
Ah, o interessante é que é no cê ú da cidade as pessoas se vergam e abrem as suas vergonhas quantas vezes forem necessárias, até que se feche o buraco dos camiões e tractores sem freio. Aqui somos todos violados!
Na minha cidade fantasma há incontáveis problemas, tais quantos fios de pentelhos se podem contar entre as nádegas de quem pensa ser o dono da cidade dos pesadelos.
(Autoria: Emmanuel Mocinha; 03.2024; Crónicas da Cidade Fantasma).
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