Analistas alertam para riscos de “insustentabilidade” na nova Tabela Salarial Única

Analistas alertam para riscos de “insustentabilidade” na nova Tabela Salarial Única

Analistas criticam a falta de um debate público e mais informações no processo de adopção da Tabela Salarial Única (TSU) no país, alertando para o risco de insustentabilidade face a limitações do Orçamento do Estado.

“Não sei se o Estado terá a capacidade financeira para suportar estes aumentos muito elevados. Isto tem implicações no Orçamente do Estado, que já por si é altamente deficitário e onde a dívida pública aumenta permanentemente”, declarou à Lusa João Mosca, economista e investigador da organização não-governamental Observatório do Meio Rural.

Em causa está a aprovação na terça-feira dos quantitativos definitivos de remunerações dos funcionários do aparelho do Estado no âmbito da TSU, um novo modelo de remuneração que o Governo propôs com a intenção de reduzir as discrepâncias salariais na função pública.

Para João Mosca, embora não esteja encerrado e as informações públicas sejam ainda escassas, é possível afirmar que o processo foi mal conduzido, na medida em que as mudanças implicam receitas adicionais, numa altura em que os indicadores económicos mostram um cenário negativo para Moçambique.

“Penso que as medidas fiscais actuais não estão de acordo com estes novos encargos derivados de subidas salariais. Naturalmente, os funcionários públicos vão ficar satisfeitos […] mas o problema é ver se o Estado terá a capacidade financeira para suportar os novos encargos”, frisou o economista, lembrando as directivas do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a necessidade de Moçambique reduzir “gastos com o pessoal”.

Também para o activista e director do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, o Estado terá dificuldades para cumprir integralmente com a TSU face às limitações “frequentes” no Orçamento do Estado.

Para Adriano Nuvunga, embora a maior parte dos salários tenham sido duplicados, incluindo o salário mínimo, as mudanças não vão realmente beneficiar as classes mais baixas, na medida em que os dirigentes continuarão a auferir a maior parte do bolo salarial do aparelho de Estado, embora haja anúncios da redução de 20% do salário do chefe de Estado moçambicano.

“O Estado não vai conseguir cumprir a TSU porque a mesma ficou incaracterística […] O propósito não era este. A ideia era uniformizar os salários e, no final, o que aconteceu é que os dirigentes vão continuar a receber o maior bolo”, frisou à Lusa o activista.

Por outro lado, prosseguiu Adriano Nuvunga, o processo não foi acompanhado por um debate que contemplasse a opinião dos funcionários públicos.

“Não houve a participação dos vários sectores da administração pública na concepção, desenho e em todo processo legislativo. Todo o processo foi centrado nas mãos do Governo e de um pequeno grupo”, declarou o activista.

Embora também considere que houve falta de informações, o economista do Centro de Integridade Pública (CIP) Rui Mate classifica como positiva a subida das remunerações, com destaque para o salário mínimo, que duplicou, mas entende ser necessário clarificar a situação de profissionais que em função de cortes de subsídios viram os seus salários baixarem.

“Seria interessante que o Governo apresentasse neste momento detalhes sobre o número de funcionários básicos existentes e quanto era gasto com salários deste grupo na antiga tabela e agora na nova quanto será necessário. O mesmo devia acontecer para as outras categorias e assim podíamos ver quais os níveis que apresentam maior encargo para percebermos os níveis de sustentabilidade”, declarou o economista do CIP.

“No final, o que vai acontecer é que vamos chegar a uma altura do ano em que as rúbricas dos salários já não suportam o pagamento destas alterações que foram feitas e o Governo vai ter de recorrer a redistribuições dentro do próprio orçamento, sacrificando algumas actividades talvez cruciais”, frisou o investigador do CIP.

Os quantitativos definitivos de remunerações dos funcionários do aparelho do Estado no âmbito da TSU estabelecem o valor de 8.758 meticais para o salário mínimo, contra os anteriores 4.689 meticais.

Além do salário mínimo, correspondente a auxiliares, agentes e operários, na nova tabela salarial da função pública moçambicana um especialista passa dos actuais 24.882 meticais para 60.758 meticais, enquanto um técnico superior (N1) passa de 17.539 meticais para 37.758 meticais.

Os técnicos superiores (N2) e o técnico profissional passam de 13.565 meticais para 24.358 meticais e 8.531 meticais para 17.758 meticais, respectivamente.

O técnico médio passa de 7.443 meticais para 14.758 meticais, enquanto o assistente técnico vai ganhar 10.758 meticais, contra os 5.531 meticais da tabela anterior.

A implementação da nova TSU, adoptada nos últimos meses do ano passado, foi alvo de forte contestação devido a “inconformidades” apresentadas por várias classes profissionais em Moçambique, nomeadamente juízes, professores e médicos, e estes chegaram a organizar uma greve para exigir a revisão do processo.

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