Lobbys, milhões de dólares e corrupção. Negócio farmacêutico paralisa importação de medicamentos por mais de dois anos

O fornecimento de medicamentos para Moçambique ficou estagnado por mais de dois anos devido a um combate entre empresas nacionais no negócio de procurement, que envolve 374.847.474,00 milhões de meticais (5.038.272,50 dólares), para o fornecimento de material médico ao Ministério da Saúde (Misau), de acordo com o Centro de Integridade Pública (CIP).

O relatório revela que, através de critérios inexistentes de selecção ou escolha, algumas empresas gozam de ‘preferencialismo’ e beneficiam-se de concursos públicos no sector da saúde, mesmo apresentando propostas muito acima daquelas avançadas pelas suas concorrentes. Em um dos casos, para o fornecimento do material médico-cirúrgico, a empresa Tecnologia Hospitalar e Laboratorial Moçambique, Limitada (THL) teria sido adjudicada um concurso para o fornecimento de fios de sutura no valor de 84.671,73 dólares (cerca de 5.473,160,62 meticais), um valor quatro vezes (4x) mais alto do que à proposta mais baixa, da empresa Bing Bang, de 18.171,91 dólares (1.171,361,31 meticais) para o mesmo concurso.

“No entanto, o júri classificou a THL sem a devida fundamentação, contrariando o nº 3 do artigo 37, do regulamento de Contratações Públicas” avança o CIP, citando um relatório de avaliação do processo produzido pela Inspecção Geral da Saúde (IGS) quando chamada a intervir no processo, após uma reclamação sobre irregularidades na selecção de empresas.

O júri teria previsto uma audição sobre esse processo e, assim, acordado em “argumentar que a THL apresentava fios de sutura de qualidade dado serem certificados internacionalmente para cirurgias de especialidade. Ora, este critério não constava do regulamento de curso. Foi invenção do júri para beneficiar a THL” revela o Centro, avançando que um estudo de cirurgiões concluiu que “todas as amostras de fios de sutura tinham a mesma qualidade” e “qualquer um deles podia ser adjudicado”.

“A THL é um cliente privilegiado nos concursos. Em 2017, ganhou um concurso público para o fornecimento de equipamento de laboratório Humalyser 2000/3000 com preços quatro vezes acima do preço de referência”, lê-se.

Em 2017, a média de propostas esteve em 62% acima do custo previsto. “O BCG foi adjudicado a preços duas vezes mais que o custo previsto, enquanto o VAS foi adjudicado a quase três vezes (3x) o custo previsto. Os custos previstos estavam a 37% acima dos preços de referência internacionais sendo, portanto, imprecisos. Igualmente, em média, os produtos adquiridos com base no Ajuste Directo de fornecedores especializados situaram-se em 94% acima dos preços de referência internacionais”, diz o CIP, citando um relatório do Banco Mundial.

O CIP também demonstra no seu documento que a Neopharma, uma das empresas queixosas quanto à escolha da THL, valeu-se dos seus lobbys e remeteu a sua reclamação directamente ao actual Ministro da Saúde e não ao júri como manda a lei.

“O Ministro, ao invés de invalidá-la, recebeu a reclamação e deu ordens ao Secretário Permanente e a Inspecção Geral da Saúde para averiguar o processo, violando o regulamento de contratação de empreitadas públicas, segundo o qual a reclamação deve ser apresentada ao júri no prazo de cinco dias úteis, sem pagamento de nenhuma taxa”, explica o CIP.

O Centro de Integridade Pública constatou também que a empresa Mozinovation, Lda. venceu um dos lotes do concurso no valor de 466.595,66 USD (cerca de seis milhões de meticais) sem que apresentasse requisitos fundamentais, entre eles, comprovativos de facturação anual dos últimos três anos.

“Ora, a Mozinovation, Lda, tinha, à data de adjudicação, apenas um ano, 11 meses e oito dias de existência. Não podia apresentar comprovativos de três anos porque não tinha sequer dois anos de existência”, avança o CIP, revelando que esta empresa é constituída por “pessoas de relações da elite que dirigiu o MISAU entre 2015 e 2019”.

Entre vários truques de corrupção no Ministério da Saúde moçambicano, “arrastar os concursos até à ruptura de stocks para depois recorrer ao ajuste directo, alegando urgência, tem sido o truque dos grupos que controlam o procurement público”, considera o CIP.

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