As raízes que acabaram com o editor Trindade…

Como estagiário, a primeira pessoa que conheci naquele jornal foi um branco, meio gasto, que sempre que entrasse na redacção deixava, em forma de cheiro, uma enorme cauda com bocejos de álcool e pêlos leves de tabaco. Entrava sempre aos berros na redacção com a língua sobre o peito e punha-se a ladrar: “isto é capa e vende muito”.

O editor Trindade, com a cabeça metida na cova do ecrã do computador, de quando em quando ressuscitava para vociferar: “ó estagiário, compra-me um cigarro ali na esquina”. E eu corria porque queria ser importante na capa que o editor preparava. Um dia o editor Trindade encontrou, na sua mesa, uma pequena garrafa de vidro com raízes e uma pele de macaco enrolado no gargalo.

Fitou a garrafa com a cintura, afastou-a com o calcanhar da mão e a garrafa ficou em cacos no chão. Toda redacção atirou os olhos ao editor e ele apenas disse “alguém anda com inveja das minhas capas”. A partir daquele dia a vida do meu editor virou uma mesa com duas pernas; já tinha perdido o equilíbrio.

O editor Trindade começou a ser capa da sua própria vida, chamava-me para que lhe ajudasse a galgar as escadas, a borda do seu cinzeiro transbordava de tiras de algodão cheias de sangue e as suas narinas a cada respirar expiravam botões de sangue. E as capas não podiam parar, por isso um tal de Chirindza foi colocado para conceber as capas, mas o jornal sem o editor Trindade não era o mesmo. E foi sob a chefia de Chirindza que as capas do jornal foram enterradas. O jornal faliu e eu, estagiário de meia tigela, baixei as orelhas, enterrei a cauda das mãos entre as pernas para a qualquer momento ser afastado como uma cadela.

Uma vez o editor Trindade surgiu, já gasto, na redacção para criticar uma capa de Chirindza: com um molho de erros ortográficos. Quando saiu deixou, em forma de cheiro, uma enorme cauda com bocejos de comprimidos. Tinha na testa o número da sua campa em forma de veias. Parou nas escadas, chamou-me e disse: “já viste como os nossos colegas são?”.

E depois disso não vi mais o editor Trindade. Vi o seu cadáver de costas, de olhos fechados, descendo pelas cordas numa cova no cemitério de Texlom. Ele tinha sapatos novos, mas desceu à cova pelas cordas. E os coveiros suados faziam barulho com pás no meio de orações de um padre branco; saímos todos do cemitério, uma voz seguiu-me, tombou a mão sobre o meu ombro e sussurrou “isto é uma capa e vende muito”.

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