No bairro de Chamanculo, ao dobrar uma das esquinas da Rua do Diamantino, é possível ver uma funerária que ali funciona: Funerária Araújo. Trabalhava ali um fulano de nome Arcanjo. Trabalhou naquela funerária anos e anos e tinha um olho desviado que usava para tirar as medidas dos cadáveres nas morgues dos hospitais.
Aos domingos, as senhoras do bairro entulhavam-se na funerária para carregar serradura e restos de madeira em sacos. Faziam fila e uma a uma, de cada vez, sumiam com o Arcanjo ao fundo da funerária. Depois de minutos, ressuscitavam ajeitando as capulanas e o Arcanjo erguendo as calças; saíam felizes e carregadas de serradura e restos de madeira.
Quando o Arcanjo sumia com as senhoras, ouvia-se, segundos depois, tampas de caixões estalando e pegas douradas de caixões batendo em caixões sem parar. E debaixo disso tudo ouvia-se a voz do Arcanjo bem serena “mais dois sacos cheios, minha senhora”.
E depois das bebidas de farelo, o Arcanjo punha-se a dar aulas no bairro sobre a sua engenharia “quando se faz um caixão é preciso acrescentar uns centímetros de largura, porque as pessoas engordam quando morrem e precisam de espaço para apodrecer sem apertos”. E riamo-nos e ele cortava-nos os risos dizendo “e é preciso fazer uma almofada de serradura, não de algodão, porque é pesado o sono dos mortos”.
Fala-se, em Moçambique, do TSU, a Tabela Salarial Única. Foi aprovada e hoje a sua aplicação foi suspensa parcialmente. E o grito de alegria dos funcionários públicos virou um enorme espinho que lhes engasgou a garganta. Se o Arcanjo aqui estivesse de certeza diria que eles devem, sempre, acrescentar uns centímetros de largura no caixão da sua paciência, porque engordam quando ouvem as promessas do governo e ao fim do dia ficam sem espaço para apodrecer de impaciência sem apertos.
Claro que o Arcanjo se tivesse por perto deixava a fila das senhoras, puxava as calças, ajeitava o cinto e debaixo do seu bafo de farelo ia juntar sílabas quaisquer e dizer aos funcionários públicos “usem almofadas de serradura, porque é pesado dormir com a cabeça carregada de promessas, tabelas e aumentos”.
É sempre bom acrescentar uns centímetros de largura, meus senhores. Eu acho que o Arcanjo tinha razão, porque mesmo o professor de Química, que também foi traído pelo TSU, depois de nos ensinar a ler a Tabela Periódica dizia: “peso e medida governam a vida”.
Se pelo menos a Tabela Salarial Única fosse uma Tabela Periódica, punha o dedo no ar e gritava aos funcionários públicos: “aqui só temos metais e não metais”. Mas os elementos da Tabela Salarial Única não dependem de mim, não dependem do meu professor de Química e nem dependem do Arcanjo; dependem das políticas cheias de serradura do governo difíceis de ler e entender.
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