“Guerra” tarifária entre potências mundiais: terreno fértil para branqueamento de capitais?

“Guerra” tarifária entre potências mundiais: terreno fértil para branqueamento de capitais?

A guerra tarifária desencadeada pelo Governo de Donald Trump em 2025, com sobretaxas que ultrapassam 100% sobre produtos provenientes da China e medidas similares contra aliados históricos como Canadá e México, pode redefinir o mapa do comércio global.

Enquanto países buscam alternativas para evitar perdas econômicas, um debate crucial emerge: as movimentações de capitais geradas por esse conflito comercial são legítimas respostas estratégicas ou abrem oportunidades para práticas ilícitas, como o branqueamento de capitais?

Espera-se que se crie uma reconfiguração do esquema do comércio internacional, a busca por novos mercados e a fragmentação do sistema financeiro global que, paradoxalmente, abre tanto oportunidades econômicas quanto riscos sistêmicos.

Reorientação do Comércio Internacional

A imposição de tarifas pelos EUA força os países a avaliarem suas parcerias, olhando para o caso do Brasil, por exemplo, vê uma janela de esperança para expandir exportações de soja, carne e madeira para a China.

Já os EUA pretendem aproveitar a redução da competitividade de concorrentes taxados. Nesta acepção, diversos sectores industriais brasileiros, ambicionam atrair investimentos de empresas que buscam escapar das tarifas impostas à China e ao México. Há notícias de que empresas americanas já consideram realocar produção para o país, visando custos menores e acesso a mercados emergentes.

O contexto acima descrito deverá criar aproximação e criação de grupos econômicos entre países (como por exemplo BRICS), em resposta ao protecionismo norte-americano, o que claramente vai redefinir alianças estratégicas.

Adverte-se que, o acordo Mercosul-UE, em fase final de aprovação, que era visto como uma via de diversificação das exportações brasileiras pode estar em causa dependendo do andamento dessa guerra tarifária.

Multipolaridade Financeira: Novas Rotas, Novos Riscos

Apesar de ser um assunto complexo, até ao momento abordado apenas pelo Presidente chinês XI JINPING e pelo Presidente brasileiro Lula da Silva, a guerra tarifária pode acelerar a busca por alternativas ao domínio do dólar norte Americano. Rússia e China já têm estado a ampliar o uso de moedas locais em transações bilaterais, atingindo um volume comercial recorde de US$ 244,8 bilhões em 2024.

Diversos autores entendem que o suposto domínio sobre o sistema SWIFT, VISA e MASTERCARD pelos EUA pode ser a origem desta guerra tarifária, o que levanta legítima necessidade de criação de infraestruturas financeiras paralelas.

A eminente fragmentação, defendida pela “periferia” económica mundial embora promova a multipolaridade financeira, também abre espaços a esquemas de branqueamento de capitais e mina a cooperação internacional contra crimes financeiros.

Adverte-se que, transações em moedas menos cotadas por canais informais de pagamento aliado pela falta de padronização regulatória entre blocos comerciais concorrentes criam terreno fértil para circulação de capitais de origem ilícita.

A reorientação das cadeias produtivas, mercados preferenciais e a fuga de capitais para jurisdições menos reguladas ou países com muita apetência de investimento directo estrangeiro tais como Moçambique e outros países africanos, pode propiciar o risco de junção aos fluxos financeiros ilícitos.

Ademais a guerra tarifária poderá pressionar as moedas locais e incentivar a circulação do dólar norte-americano no mercado informal, o que dificultará o rastreamento de transações pelo sistema financeiro internacional formal. Além disso, a reorientação para jurisdições menos reguladas poderá propiciar a criação de empresas de “fachada” com objectivo único de branqueamento de capitais.

Medidas para impedir ocorrência de branqueamento de capitais durante a guerra tarifária global

A guerra tarifária é um fenômeno ambivalente, o seu decorrer depende da capacidade dos países em aproveitar oportunidades existentes e igualar a sua balança comercial. Assim sendo, todos os países directa ou indirectamente afectados por este sisma económico devem: (i) fortalecer os seus mecanismos de Due Dilligence, tanto dos seus novos investidores como das commodities;  (ii) acelerar reformas estruturais para identificação e prossecução de casos de branqueamento de capitais; (iii) fortalecer a cooperação internacional com vista a troca de informação e monitoramento dos fluxos financeiro; e, (iv)  ampliar a cooperação internacional especialmente em fóruns como GAFI, EGMONT GROUP com vista a harmonizar regras de combate aos crimes financeiros.

Texto: Samir Zacarias – Especialista em combate aos crimes financeiros

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