ENTREVISTA DA SEMANA: “QUEREMOS COLOCAR O MERCADO DE CAPITAIS NO LUGAR QUE MERECE”

ENTREVISTA DA SEMANA:  “QUEREMOS COLOCAR O MERCADO DE CAPITAIS NO LUGAR QUE MERECE”

Apesar de ser mais conhecida, os desafios na utilização da Bolsa de Valores de Moçambique como uma verdadeira alternativa de financiamento, persistem

Salim Valá, presidente do conselho de administração da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), diz que apesar de muitas vantagens que advêm de um investimento na BVM, ainda existem muitas empresas que mostram relutância em serem cotadas na Bolsa, pelas mais diversas razões.

Em entrevista ao MZNews, o presidente da BVM refere que as empresas têm mais visibilidade quando estão cotadas na BV. “Com uma BV há maior apetência dos investimentos estrangeiros”, esclarece Valá em uma conversa franca e aberta à nossa reportagem.

O que está por detrás da pouca utilização da Bolsa de Valores por parte do empresariado nacional, olhando mais para o sector privado?

Gostaria de começar por apontar algumas das principais vantagens que as empresas moçambicanas, em particular as do sector privado, passam a ter pelo facto de usarem a plataforma da BV:

Apesar das vantagens antes referidas, ainda temos empresas que mostram relutância em serem cotadas na Bolsa, pelas mais diversas razões:

Como se pode depreender, há vantagens notórias em usar a Bolsa de Valores, mas há igualmente desafios relacionados com a cultura financeira prevalecente no país. O trabalho que temos estado a levar a cabo é numa perspectiva de longo praso. Visa colocar o mercado de capitais no lugar que merece dentro do Sistema financeiro moçambicano.

Que mecanismos estão a ser implementados pela Bolsa para reverter este cenário?

Temos realizado diversas acções de sensibilização, capacitação, interacção e diálogo com os empresários, investidores, entre outros intervenientes-chave.

Isso tudo é no sentido de melhor conhecer a BVM, os seus objetivos, vantagens, serviços e instrumentos disponíveis, que dão corpo aos ousados.  

Temos estado a interagir e esclarecer aos empresários que muitas das razões por eles invocadas para não se cotarem, não têm razão de ser, ora vejamos: Uma empresa que não precise de financiamento continua a ter vantagens em vir para a Bolsa pela maior visibilidade que a sua empresa passa a ter, pelos benefícios fiscais que pode ter (isenção de imposto de selo e menor taxa de imposto nos dividendos). 

E mesmo quando precisam de financiamento, as empresas recorrem quase sempre ao financiamento bancário, e poucas vezes se lembram do mercado de capitais, onde o financiamento das empresas tem sido feito a taxas de juro relativamente mais baixas.

“Ainda existem muitas empresas que mostram relutância em serem cotadas na BV”

As empresas, muitas vezes, queixam-se dos custos, mas não são tão elevados tendo em conta os benefícios a obter. Por exemplo, uma empresa que tenha um capital social de 1.000.000,00 MT paga 500,00 MT de taxa quando se admite à cotação (taxa de 0,05%), e anualmente paga 100,00 MT de taxa de manutenção (0,01%) na Bolsa.

O que as empresas se queixam, e aí podem ter alguma razão, são outros custos que não são da Bolsa, como por exemplo os custos da auditoria das contas (mas estamos a trabalhar nisso) e os custos das publicações nos jornais (no Boletim de Cotações não se paga a publicação).

Quais são os possíveis riscos que advêm da cotação na BV por parte do sector privado?

Não sei se podemos falar de riscos, mas há seguramente uma maior responsabilização da empresa e dos seus gestores para com o mercado e os investidores. Uma empresa que esteja cotada na Bolsa, está submetida ao escrutínio da opinião pública.

As empresas quando passam a estar cotadas na Bolsa, ficam obrigadas à prestação de informação obrigatória para o mercado, os accionistas e os demais investidores. Passam a ter que publicar os relatórios de gestão e as contas da sociedade, devendo divulgar todos os factos importantes da empresa que sejam do interesse dos seus accionistas.

É por isso que uma empresa quando vem para a BV, é considerada como uma empresa credível, fiável e transparente, que segue as boas práticas de boa governação corporativa, o que torna a empresa muito mais cuidadosa e responsável com os seus “stakeholders”, porque está exposta ao público e obrigada a apresentar informação regular ao mercado.

Mesmo o processo de cotação de uma empresa na Bolsa, é precedida de um manancial de documentação e da publicação de um documento designado por “Prospecto de Admissão à Cotação”, que contém toda a informação sobre a empresa, as suas actividades, o seu património, os seus órgãos sociais, os seus recursos humanos, as contas das sociedades, os projectos em curso, as perspectivas futuras da empresa.

O que as empresas devem ter em conta antes de se cotarem na BV?

Antes de se cotarem na Bolsa, e como acabei de referir na questão que me colocou anteriormente, a empresa deve ter em conta que a sua exposição vai passar a ser pública, que a performance da sua empresa vai ser analisada, que a gestão da empresa vai ser avaliada, e não apenas pelos seus accionistas, mas pelo mercado e pela opinião pública.

A empresa cotada na bolsa fica obrigada à prestação de informação obrigatória nos termos do Código do Mercado de Valores Mobiliários, e que o seu não cumprimento pode ser alvo de crítica pela opinião pública e mesmo de penalização pela entidade supervisora do mercado de capitais em Moçambique, que é o Banco de Moçambique.

Além disso, se uma empresa se quer admitir à cotação na Bolsa de Valores, tem de ter em conta que deverá obedecer aos requisitos de admissão no mercado bolsista onde se pretende listar.

Todas as empresas podem ser cotadas na BV? Quais são os requisitos?

Todas as empresas podem admitir-se à cotação na Bolsa de Valores, desde que cumpram com os requisitos de admissão à cotação, relativamente ao mercado onde querem ser cotadas, isto é, no Mercado de Cotações Oficiais (Estado e Grandes Empresas) ou no Segundo Mercado (vocacionado para as PMEs).

“O trabalho que temos estado a fazer visa colocar o mercado de capitais no lugar que merece dentro do sistema financeiro”

Os requisitos de admissão à cotação são necessários para dar uma maior confiança aos investidores sobre a empresa que está a ser cotada na Bolsa, sendo mais exigentes para o Mercado de Cotações Oficiais e menos exigente para o Segundo Mercado.

No entanto, a BV criou um Terceiro Mercado, em Novembro de 2019, para aquelas empresas que no momento de admissão à cotação não possuem a totalidade dos requisitos para serem cotadas, dando-lhes um prazo de 2 anos (máximo de 3 anos se devidamente justificado) para os alcançarem.

Os requisitos de Admissão à cotação são diferentes para cada mercado, sendo classificados em requisitos de ordem legal, económica e de mercado:

Em tempos de COVID 19, quais são as mais-valias que o sector privado pode ter na utilização do mercado de capitais?

A BV tem promovido ao longo dos seus 22 anos de existência, nos bons e nos maus momentos da economia – como este da pandemia procurando dar aos investidores uma melhor remuneração pelas suas poupanças, e dar às empresas uma taxa de juro mais baixa pelo seu financiamento.

Das 11 empresas cotadas actualmente na BV, duas delas foram listadas já no contexto da Covid-19, como a atestar que mesmo com a crise económica e pandémica, os empresários e investidores continuam a recorrer à BV como um instrumento de financiamento, poupança e investimento. Várias empresas têm recorrido aos instrumentos de dívida, como as obrigações corporativas e o papel comercial para se financiarem, e essa tendência não afrouxou com o advento da Covid-19.

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