E como tudo isso começa ou termina?

E como tudo isso começa ou termina?

E como tudo isso começa ou termina? Primeiro, o edifício do Cinema Olimpia fez um “the end” e, como no fim de um filme, as letras foram subindo aos poucos na tela do edifício; o Cinema Olimpia acabou-se como acabam os filmes. Depois o cinema virou uma assombrosa ruína de ratos e quilolitros de urina, depois virou um túnel onde marginais de Xipamanine e Chamanculo se escondiam depois de fazer filmes nas ruas como autênticos actores de cinema.

Depois os marginais foram corridos como cães, o edifício do Cinema Olimpia foi pintado, sacudido, engomado e transformado em supermercado. Hoje, as cadeiras do antigo Olimpia viraram prateleiras carregadas de barras de sabão, caixas de bolachas e rebuçados. Os filmes indianos foram trocados por temperos indianos e onde havia fitas de filmes chineses há, hoje, uma prateleira de chinelos e toalhas fabricados na China.

E naquele buraco com a matrícula “Bilheteira” estão os olhinhos puxados de um chinês que luta com os trocos dos clientes enquanto é desarrumado o cabelo por uma ventoinha presa ao tecto. Na antiga bilheteira já não se pergunta “qual dos filmes quer ver?”, o chinês, à medida que um cliente entra, pergunta: “qual dos produtos quer?”

À porta do antigo cinema hoje está uma coluna de som enorme que grita sem se cansar de repetir: “entra, entra, preços baixos”; e no lugar onde eram pendurados cartazes com actores, preços dos bilhetes e horas está, hoje, escrito: “horário do funcionamento: das 8h às 19h. Encerrado aos feriados”. E onde estava escrito “Boa sessão” hoje as letras foram baralhadas e lê-se: “Visita-nos sempre”.

Os meus pais passaram tardes nesse cinema. A minha mãe, à viva força, rumina sem parar lembranças desse cinema. Ela de mão dada com o meu pai. Talvez essas lembranças estejam numa das prateleiras, na secção de produtos fora de prazo, com o respectivo preço e os meus pais abraçados no rótulo.

E isso é uma verdadeira febre em todo o país. As cabines dos cinemas que projectavam filmes, hoje foram depenadas e convertidas em altares de milagres dos nossos profetas. Aos Domingos, Jesus Cristo, ordenado pelas orações dos nossos profetas, desce nessas salas com óleo das montanhas, abençoa os que dizimam mais, cura os paralíticos, confere os ofertórios e dá poderes aos nossos profetas para lerem os nossos destinos.

Outras salas foram transformadas em armazéns sem deixar um mínimo espaço para os actores baleados nos filmes que tentam ressuscitar, o verificador de bilhetes virou um fiel de armazém, outras salas viraram habitações e onde o público escorria quando terminassem os filmes, hoje deslizam corredores que dão acesso a quartos e cozinhas. E como tudo isso começa ou termina?

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