O director da divisão para o clima e recursos da Comissão Económica da ONU para África (UNECA) disse este sábado que o continente deve emitir ‘dívida verde’ para equilibrar os orçamentos e aumentar a resiliência climática.
Em entrevista à Lusa por vídeo-conferência a partir de Adis Abeba, a sede da UNECA, Jean-Paul Adam disse que “o preço e o lucro são muitas vezes similares, mas como a maioria dos grandes investidores tem algum objectivo relacionado com objectivos individuais em linha com o Acordo de Paris, e vários países prometeram investir em sectores que permitam uma redução da pegada de carbono, este ‘mercado verde’ é uma excelente oportunidade para África”, vincou, notando, ainda assim, que este mercado está ainda muito pouco desenvolvido no continente.
“Um título de dívida verde é igual ao habitual, mas com a diferença de que há a promessa de os fundos serem investidos em setores que contribuem para os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou estão em linha com as metas do Acordo de Paris para reduzir emissões, ou ainda para proteger áreas ou regiões das alterações climáticas”, explicou o director do departamento de tecnologia, alterações climáticas e gestão de recursos naturais na UNECA.
Cabo Verde foi um dos países que já emitiu ‘dívida verde’, no caso uma autarquia, que procurou fundos nos mercados internacionais para objectivos sociais, mas também Angola prepara a emissão deste tipo de dívida, no final do ano.
“O objectivo é que as verbas sejam investidas em setores que contribuem para a protecção ambiental e resiliência climática”, explicou o responsável, notando que uma das vantagens é que, como há investidores institucionais que têm de investir parte das verbas em sectores que contribuam para o ambiente, esta pode ser uma opção muito atrativa para os países africanos, que enfrentam problemas económicos decorrentes da pandemia de covid-19 e, mais recentemente, das consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Tirando a experiência de Cabo Verde e os mercados mais desenvolvidos da África do Sul, Egipto e Marrocos, poucos foram os países africanos que emitiram este tipo de dívida, que está ligada a objectivos ambientais e que reembolsa os investidores também em funções dos compromissos assumidos pelo emissor da dívida.
Dos 539 mil milhões de dólares emitidos em ‘dívida verde’, apenas 8 mil milhões foram emitidos em África, o que representa menos de 1% do mercado total.
Questionado sobre as razões para a falta de utilização deste instrumento que pode colmatar a dificuldade que os países africanos enfrentam no acesso aos mercados internacionais, Jean-Paul Adam respondeu que o desconhecimento e a complexidade são as principais razões.
“A primeira razão para a pouca utilização deste mercado por parte dos países africanos é que temos de reconhecer que estas economias são muito dependentes das indústrias extrativas, e os investidores e os países tendem a olhar para o que têm e não para o que poderiam ter”, afirmou, admitindo também que existe uma falta de capacidade técnica para lançar este tipo de dívida, que é mais complexa precisamente por estar ainda no início no continente africano.
“Os processos à volta dos títulos verdes são muito complicados, não há um protocolo harmonizado, e por isso cada vez que emitem, os países africanos têm de debater objectivos específicos com os investidores, e isso cria uma carga adicional de trabalho e de esforço face à emissão de dívida habitual”, explicou.
Para além disso, os Estados podem atuar como emissores de dívida, que depois pode financiar pequenas e médias empresas que de outra forma não teriam acesso ao mercado internacional: “Pode-se usar esta estrutura para criar uma nova oportunidade para as PME, porque um investidor pode considerar arriscado investir directamente numa PME, mas o governo pode emitir essa dívida e depois canalizá-la em pequenos empréstimos para várias pequenas empresas”, concluiu o responsável da UNECA.
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