Primeiro os cães ucranianos… e só depois as pessoas africanas e outras  

“Nos corredores humanitários primeiro passam os ucranianos, depois os seus animais, e só em última instância passam pessoas negras e de outras nacionalidades”

A guerra russo-ucraniana deixou a descoberto o que se pensava ser já inexistente ou inaplicável. Desde questões políticas, que não se deveriam jamais aplicar em outras áreas como o desporto [as sanções contra Roman Abramovich, proprietário do Chelsea FC, da Inglaterra], às raciais, que custam a acreditar. No entanto, factos são factos, ponto final.

Durante os corredores humanitários para a retirada de cidadãos ucranianos e de outras nacionalidades residentes na Ucrânia para países próximos, como a Polónia, na sequência da invasão militar russa, vários foram os relatos ou notícias de comportamentos raciais a favor de nativos brancos em detrimento de negros e cidadãos de outras raças e nacionalidades.

Simplistas eram as manchetes que diziam, por exemplo, “…. estão a salvo os que procuravam refúgio”. Claro que isso traz alento aos que querem ver os seus familiares e amigos vivos. Mas pensando no contexto de guerra, a morte já lá estava, a avaliar pela distinção que se fazia – ainda ocorre – para se escolher a dedo quem devesse sair do cenário. A essa altura os estrangeiros podiam já ter sucumbido a tudo. Só a esperança…!

Apesar de se esquivarem de responder a várias questões, uma das quatro estudantes moçambicanas na Ucrânia que chegaram a Maputo, esta quarta-feira, revelou a Televisão de Moçambique (TVM) que nos corredores humanitários primeiro passam os ucranianos, depois os seus animais, como cães e gatos, e só em última instância passam pessoas negras africanas e de outras nacionalidades.

“Primeiramente, havia segregação na questão do transporte. Por exemplo, eles davam prioridade aos ucranianos e deixavam todos negros, africanos, árabes de lado. Foi triste. Teve momentos em que me explicaram que, por exemplo, deixavam primeiro os ucranianos entrarem, depois deixavam os seus pets, os seus animais entrarem, e aí é que cediam já os transportes para os africanos entrarem e os demais estudantes”, contou Keila Amado, estudante moçambicana que fugiu da Ucrânia.

“A situação foi bastante difícil, triste. Vemos bastante coisa na TV e até que vivenciamos e é aí onde percebemos realmente o que é que as pessoas passam”, disse Keila Chichava, que ao ser questionada sobre se os corredores humanitários eram funcionais na Ucrânia disse: “não gostaria de partilhar esta informação”. E quem também não quis relatar a situação que se vive ou viveram nos corredores humanitários foi a estudante Resiana Chaide, tendo apenas dito: “sim, vimos [alguma coisa], mas não gostaria de falar sobre a situação”.

No entanto, elas foram unânimes ao afirmar que percorreram longas distâncias, sem transporte e mantimentos suficientes, a fim de encontrar refúgio em países vizinhos, onde teriam sido “muito bem recebidas”.

“[percorremos] mais de 60 quilómetros a pé. Tínhamos algum mantimento. Mas a vigem foi longa e nunca é suficiente. Fomos muito bem recebidos na Polónia”, disse Keila Chichava.

Disse a TVM que o processo de repatriamento foi alinhado entre o Governo e os pais dos estudantes.

“Nos interessava que elas chegassem aqui com vida. Isso é o mais importante”, disse Armando Pedro Jr., Director do Instituto Nacional Para as comunidades moçambicanas no Exterior.

A TVM disse que os outros dez estudantes moçambicanos na Ucrânia – agora em outros países como França, Qatar e Polónia – estão seguros. Entretanto, o número de estudantes moçambicanos na Ucrânia parece impreciso. No início deste mês, o cônsul honorário da Ucrânia em Maputo, Abílio Soeiro, disse que eram 18 estudantes.

“Logo que a situação ficou perigosa, saíram todos, uns pela Polónia, outros pela Hungria, e estão são e salvos” assegurou.

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