A falta de transparência na gestão das finanças públicas moçambicanas levou o Banco Mundial (BM) a considerar Moçambique um “caso de estudo”, no seu Relatório do Desenvolvimento Mundial, onde dedica várias páginas a debruçar-se, também, sobre as Dívidas Ocultas.
O BM reconhece que essas dividas reduziram a capacidade financeira do país, levando a implicações significativas na capacidade de servir a dívida, uma vez que “aumentava dramaticamente o montante de juros e amortizações devidos num determinado ano”.
“Em concreto, antes da divulgação das dívidas ocultas, o mercado operava na assunção de que 11% das receitas fiscais seriam suficientes para pagar o serviço da dívida de 2016, mas com a divulgação das dívidas, ficou claro que pelo menos 22%, ou 600 milhões de dólares, eram necessários”, lê-se no documento citado pela lusa.
No relatório, a transparência relativamente à situação financeira dos países é classificada como fundamental, e o exemplo de Moçambique serve de alerta sobre o que pode acontecer a um país que esconda empréstimos de empresas públicas garantidos pelo Estado.
“A análise à sustentabilidade da dívida feita pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2015 projectava que a dívida pública e avalizada pelo Estado em 2016 seria de 61% do PIB, mas o documento de 2018 estimava que essa dívida em 2016 era de 104% do PIB”, lê-se no documento.
Em causa estão os empréstimos contraídos por empresas públicas moçambicanas, com aval do Estado, mas que foram ocultadas não só das instituições nacionais, como também do mercado financeiro internacional e dos doadores e credores internacionais, um caso que está atualmente em julgamento.
“O aumento no serviço da dívida em 2017 e 2018 era ainda maior [que os 600 milhões de dólares previstos para 2016], e era demasiado grande para a economia de Moçambique, que acabou por entrar em Incumprimento Financeiro (‘default’) em 2016”, relembra-se nas três páginas que BM dedica ao caso das dívidas ocultas.
De acordo com os dados do FMI, o rácio da dívida pública face ao PIB passou de 64,3% em 2014 para 120% em 2016 e continuou acima de 100% desde então, devendo terminar este ano nos 127,6%, a terceira maior da África subsaariana, a seguir à Eritreia e Cabo Verde, mas neste caso sendo a maioria da dívida concessional, o que é menos preocupante.
A deterioração da posição orçamental do país e do risco de ‘rating’ teve implicações alargadas e “transformou uma crise de transparência num turbilhão económico abrangente que teve muitas características de uma crise sistémica”, aponta-se no texto, que lembra que “a crise da dívida foi acompanhada de uma significativa depreciação da moeda local a partir de 2014, um aumento da inflacção, uma redução do espaço orçamental e de uma perda de confiança por parte dos investidores externos e da comunidade internacional, levando a um abrupto corte no rating do país”.
O corte do apoio orçamental, decretado pelos principais doadores de Moçambique a partir de 2016, mantém-se, nalguns casos, até hoje, como acontece com Portugal, que financia apenas projetos concretos e deixou de doar verbas para o Orçamento.
Moçambique, diz o Banco Mundial, só agora está a recuperar da crise de credibilidade que minou não só o partido no poder, mas também as instituições e o próprio país, frequentemente apontado como exemplo negativo no capítulo da transparência financeira.
“Só em 2019 a dívida de Moçambique foi classificada como sustentável tendo em conta a perspectiva de evolução, motivando confiança suficiente para o Banco Mundial e o FMI darem financiamento no seguimento do ciclone Idai”, lembra o banco, sublinhando que “um passo importante para recuperar a confiança foi melhorar a transparência no reporte da dívida e nas operações de dívida que foram desde então implementadas”.
Apesar das medidas, conclui-se no ‘case-study’ de três páginas sobre Moçambique, o país permanece em ‘debt distress’ (dívida problemática) enquanto litiga em tribunal sobre a validade das garantias estatais, e “continua a enfrentar condições desfavoráveis de financiamento, que implicam um custo maior do crédito, não apenas para o governo, mas também para as empresas e para as famílias”.