Justiça sul-africana rejeita pedido de Moçambique para recorrer contra extradição de Manuel Chang para os EUA

O Supremo Tribunal de Recurso sul-africano rejeitou o pedido de autorização de recurso do Governo de Moçambique para recorrer contra a extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para os Estados Unidos, no âmbito do processo das dívidas ocultas.

“O pedido de interposição de recurso é rejeitado com custas por não haver razoável perspectiva de êxito no recurso e não existir outra razão imperiosa para o julgamento do recurso”, refere a ordem do Supremo Tribunal de Recurso sul-africano a que a Lusa teve hoje acesso.

De acordo com a ordem judicial, o tribunal sul-africano ordenou em 8 de Dezembro de 2022 que o pedido do Governo moçambicano fosse indeferido.

Em Junho, o Tribunal Constitucional (ConCourt, no acrónimo em inglês) da África do Sul, a mais alta instância da Justiça no país, rejeitou também o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique para recorrer da extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para os EUA.

“O Tribunal Constitucional considerou este pedido de autorização para recorrer directamente a ele. O Tribunal concluiu que o pedido deve ser julgado indeferido com custas por não ser do interesse da Justiça ouvi-lo nesta fase”, refere-se na ordem do Tribunal Constitucional, a que a Lusa teve acesso.

Em 10 de Novembro de 2021, o Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, ordenou à África do Sul que extradite o ex-ministro das Finanças Manuel Chang, preso há quase três anos sem julgamento, para os EUA, invalidando a extradição para Moçambique anteriormente anunciada pelo Governo sul-africano.

Após a leitura da sentença, de 75 páginas, por videoconferência, a juíza Margarete Victor, concluiu que a decisão do ministro da Justiça sul-africano Ronald Lamola “é inválida”.

“Em resultado, ordeno, em primeiro lugar, que a decisão do segundo respondente [ministro da Justiça] em 23 de Agosto de 2021 para extraditar o primeiro respondente [Manuel Chang] para a República de Moçambique é declarada inconsistente com a Constituição da República da África do Sul, de 1996, e é inválida e nula”, declarou.

“Em segundo lugar, a decisão do segundo respondente [ministro da Justiça] em 21 Maio de 2019 é substituída pelo seguinte: o Sr. Manuel Chang deve ser entregue e extraditado para os Estados Unidos da América para ser julgado pelos seus supostos crimes, nos Estados Unidos da América, tal como está contido no pedido de extradição de 28 Janeiro de 2019”, concluiu a juíza sul-africana.

A África do Sul não tem acordo de extradição com Moçambique, que contestou o pedido de extradição norte-americano de Manuel Chang para os EUA, país com o qual Maputo também não tem tratado de extradição.

Nos últimos quatro anos, o ex-governante moçambicano, que é tido como a “chave” no escândalo das chamadas dívidas ocultas, enfrentou na África do Sul, sem julgamento, dois pedidos concorrenciais dos Estados Unidos e de Moçambique para a sua extradição do país.

Aos 63 anos, Manuel Chang foi detido em 29 de Dezembro de 2018 no Aeroporto Internacional O. R. Tambo, em Joanesburgo, a caminho do Dubai, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA em 27 de Dezembro, pelo seu presumível envolvimento no chamado processo das dívidas ocultas no vizinho país lusófono.

A prisão de Manuel Chang foi legal ao abrigo do tratado de extradição entre os EUA e a África do Sul, assinado em setembro de 1999, em Washington, segundo o Ministério Público sul-africano.

Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2,7 mil milhões de dólares secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos sectores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.

A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do Parlamento e do Tribunal Administrativo.

No passado dia 7 de Dezembro, 11 dos 19 arguidos no processo das dívidas ocultas foram condenados a penas de prisão entre 10 e 12 anos e três deles foram ainda condenados a pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,6 mil milhões de euros.

O valor é semelhante ao das dívidas, acrescido de prejuízos adicionais no maior caso de corrupção da história de Moçambique.

Os três visados são Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente Armando Guebuza, e dois ex-dirigentes dos serviços secretos, Gregório Leão e António Carlos do Rosário (ex-director-geral e antigo líder da ‘inteligência’ económica, respetivamente), que receberam uma pena de 12 anos de prisão cada um.

Em causa estão os crimes de peculato, abuso de cargo, branqueamento, associação para delinquir e, ainda, no caso de Ndambi, falsificação de documentos, chantagem e tráfico de influência junto do pai, no caso do filho de Guebuza.

Partilhar este artigo

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.