“Guerra está a alterar ordenamento territorial e demográfico de Cabo Delgado”

“Guerra está a alterar ordenamento territorial e demográfico de Cabo Delgado”

Uma organização não-governamental (ONG) designada “Ajuda em Acção”, alertou ontem que a guerra em Cabo Delgado está a alterar o ordenamento territorial e demográfico da província, destacando a hipótese de a violência estar ligada a “interesses extractivistas”.

De acordo com o relatório da entidade, citada pela Lusa, “a guerra está a alterar a ordenação territorial e demográfica de Cabo Delgado, levando centenas de milhares de pessoas deslocadas a abandonar seus meios de subsistência”.

Para a ONG, as causas do conflito são diversas, a pesquisa, produzida num período de um ano, considera que não se pode ignorar as conexões existentes entre o deslocamento das populações, os interesses económicos e a importância geo-estratégica da província, com forte potencial extractivo e que serve de rota comercial legal e ilegal devido à sua localização privilegiada no canal de Moçambique.

“Não se pode ignorar que estas novas violências, assim como em muitos conflitos no mundo, costumam estar ligadas a interesses extractivistas […] A ‘realpolitik’ das lutas pelo controlo dos recursos energéticos africanos parece prevalecer sobre os ideais de defesa dos direitos humanos, governo democrático, desenvolvimento humano e construção da paz que são mencionados em declarações e documentos dos principais actores internacionais”, acrescenta-se.

A ONG alerta ainda para um alegado “foco militarista” nos esforços que procuram travar a guerra, numa província com histórico de “conflitos lentos e estruturais” nos últimos 100 anos, nomeadamente as guerras de ocupação colonial, de libertação contra o regime colonial português, a guerra civil e o conflito actual.

“Este período, pouco mais de um século, é extraordinariamente curto para que ocorram e se estabeleçam processos de estabilização territorial, social e mental que possibilitem a criação de alternativas resilientes ao uso da violência na resolução de conflitos e na estabilização social”, lê-se no documento da ONG, que acrescenta que “a violência constante tem enfraquecido as capacidades individuais e colectivas das pessoas de Cabo Delgado”.

Por outro lado, prossegue a Ajuda em Acção, o modelo de apoio humanitário promovido durante o conflito gerou a dependência das populações e também das autoridades, que já receberam milhões em apoio internacional para fazer face à crise humanitária que se instalou.

“Essa operação humanitária está a gerar dependências não apenas nos poderes públicos de Moçambique, mas também nas populações que sofrem com o conflito, aumentando as formas de vida onde as pessoas são condicionadas por um modelo económico distributivo em vez de modelos baseados no incentivo à produtividade através da geração e aproveitamento das suas capacidades”, refere o documento.

Em declarações à Lusa, o director-geral da Ajuda em Acção em Moçambique, Jesús Perez, disse que as prioridades agora devem ser garantir segurança no movimento gradual de retorno das populações às zonas de origem, em resultado da estabilização da situação, e garantir que as populações tenham capacidade para produzir de forma autónoma.

“É preciso promover as capacidades das populações para que se consigam engajar em diferentes aspectos do mercado de trabalho […] Não nos podemos esquecer que 80% da população na província é rural”, concluiu Jesús Perez.

A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

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