Especialista em saúde pública moçambicano alerta para “novas epidemias”

Especialista em saúde pública moçambicano alerta para “novas epidemias”

O médico moçambicano João Schwalbach, que recebe sexta-feira o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto, alertou hoje que o padrão epidemiológico dos países menos desenvolvidos “está a mudar” e advertiu o mundo para “as novas epidemias”.

“Não tínhamos tantas doenças cardíacas e acidentes vasculares cerebrais e agora começam a ser comuns devido à alteração do padrão de vida das pessoas. O padrão epidemiológico está a mudar nos nossos países”, disse o médico licenciado em Medicina pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM), de Maputo, com equivalência pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

Em declarações à Lusa, João Schwalbach, especialista em saúde pública, admitiu que a tradicional tríade HIV (Vírus da imunodeficiência humana), malária e tuberculose absorve a maior parte do investimento em saúde quer em Moçambique, quer em outros países menos desenvolvidos, mas alertou: “O mundo tem de estar atento às novas epidemias”.

“Evidentemente que [esse investimento continua a ser importante], porque a malária, como sabemos, é uma doença que facilmente atinge qualquer pessoa. Mas é preciso desenvolver, criar condições de ‘habitat’ mais saudáveis, sem deixar que outros problemas que também existem sejam esquecidos”, referiu.

João Schwalbach alertou para evolução da chamada cegueira do rio, bem como de outras doenças tropicais negligenciadas, e lembrou que a covid-19 e o Ébola mantêm prevalência. ”O problema é o egoísmo com que vivemos, a falta de visão futura, e este viver o presente, esgotando os recursos não importa como, que vai perigar o amanhã”, apontou.

O médico — que atualmente dirige a Escola Superior de Saúde do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (Isctem) e que recebe sexta-feira o grau de Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Porto — defendeu que Moçambique e países com características idênticas têm de investir tudo na formação de mais profissionais e da própria sociedade.

“É essencial investir tudo na educação e na investigação. A formação é o motor do desenvolvimento. Mas claro que Moçambique precisa de ajuda do exterior. Mas todos precisamos uns dos outros, até os mais ricos. A cooperação só tem valor quando os dois ganham”, afirmou.

Salvaguardando que “mesmo os pobres e com dificuldades, têm coisas para dar” que “pode não ser dinheiro nem comida”, mas “pode ser valores e cultura”, Schwalbach sublinhou a convicção de que “o mundo só pode ganhar se distribuir como deve ser”.

“Moçambique destaca-se um bocadinho na vacinação. Felizmente existe um bom histórico em Moçambique porque, logo a seguir à independência nacional, em 1975, Moçambique enveredou por uma campanha massiva de vacinação e foi o campeão do mundo”, descreveu.

Esta realidade que Schwalbach atribui à “espetacular” adesão por parte dos moçambicanos às vacinas, as quais se forem acompanhadas de uma picada “ainda melhor”, é um dos trunfos atuais do país e faz parte da lista de teorias existentes sobre o porquê da pandemia de covid-19 “não ter sido tão dramática” neste país africano como na Europa.

“Há várias teorias, várias especulações. Uns falam do potencial da vitamina D do nosso sol. Outros falam do facto de Moçambique ter feito uma vacinação massiva para o BCG e contra a tuberculose. Ou talvez o vírus tivesse em Moçambique uma virulência menor por qualquer razão”, enumerou.

Para João Schwalbach — que herdou o nome do trisavô, o qual descreve como “um dos bravos do Mindelo, aquele que rompeu o cerco do Porto” — “a Covid-19 ensinou muita coisa boa e muita coisa má”.

“Por exemplo, uma das coisas más que estou a ver agora é o aproveitamento da indústria farmacêutica em querer rentabilizar tudo, inclusivamente até fora de propósito”, lamentou.

Outro dos lamentos do especialista nascido em Tete, em 1942, prende-se com o número de médicos num país que tem cerca de 32 milhões de habitantes.

“Na independência éramos 75 para um país que é sete vezes e meia maior do que Portugal. Neste momento temos 4.000 médicos, incluindo nacionais e estrangeiros, o que é manifestamente insuficiente”, analisou.

Sem esconder preocupação com a influência que os conflitos mundiais atuais, nomeadamente os mais recentes e próximos como a guerra na Ucrânia, bem como com as crises inflacionárias que se adivinham, podem vir a ter no peso das doações aos países menos desenvolvidos, Schwalbach disse que “é preciso acreditar que ações às vezes simples resolvem grandes problemas”.

“Muita ação da saúde é feita pela própria população, defendendo-se e protegendo-se. Mas isso depende do investimento no desenvolvimento das sociedades. Por exemplo, está provado por vários estudos, que só o facto de as mães serem alfabetizadas, a mortalidade infantil diminui”, contou.

Já sobre o título que receberá sexta-feira, o médico que esteve à frente da Direção de Saúde da cidade e da província de Maputo, do Instituto Nacional de Saúde e do Centro Regional de Desenvolvimento Sanitário de Maputo da Organização Mundial de Saúde, entre outros cargos, mostrou-se lisonjeado.

“É muito importante para mim, de tal maneira que ainda estou a digerir. Significa que parece que o meu trabalho não foi tão em vão”, concluiu. (Lusa)

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