Economistas defendem medidas de alívio com impacto directo para pobres face à elevada inflação

Os economistas moçambicanos Estrela Charles e Elcídio Bachita defenderam hoje medidas com impacto directo nas camadas mais pobres da população face à escalada da taxa de inflação no país, alertando para o risco de “roptura social”.

“Estamos numa situação de quase rotura em termos de insatisfação da população. Com estes níveis, com esta tendência de aumento de preços, teremos uma situação de muita insatisfação, muita desigualdade e muita exclusão social”, disse à Lusa Estrela Charles, economista e investigadora da organização não -governamental (ONG) Centro de Integridade Pública (CIP).

Considerando “paliativas e teóricas” as medidas que têm sido avançadas pelo executivo para aliviar o impacto da subida de preços, Charles defendeu que deve ser alargado o universo da proteção social, abrangendo mais beneficiários das classes sociais vulneráveis e desempregados e reforçando o sector estatal do transporte público, para a aplicação de tarifas sociais destinadas aos utentes sem posses para recorrer ao transporte colectivo gerido por privados.

“O Governo deveria concentrar-se mais no consumidor e não nas empresas, porque os subsídios às empresas não têm um impacto directo no consumidor e não chegam a influenciar o poder de compra e o nível de vida do consumidor final”, destacou.

Estrela Charles enfatizou que o Governo deve retirar recursos gastos em privilégios atribuídos aos altos quadros do Estado e canalizar para as despesas sociais, através de uma política de austeridade séria.

“Os altos quadros do Estado desfrutam de subsídios e de carros de luxo, enquanto os funcionários públicos não têm dinheiro sequer para apanhar transporte público”, comparou a economista.

Estrela Charles assinalou que a subida dos preços dos combustíveis e dos alimentos, devido à guerra Rússia-Ucrânia, agravou a tendência de aumento da inflação em Moçambique, tendo em conta que o país africano é importador destes bens.

No início do ano, prosseguiu, “o Governo estava a ser muito optimista” e “previa cerca de 5% de inflação anual, mas, em fevereiro, já havia uma tendência de aumento dos preços, que se está a agravar com o incremento dos custos dos combustíveis e alimentos e desvalorização do euro”.

Por sua vez, o economista Elcídio Baptista advogou medidas de âmbito fiscal com foco nos impostos e taxas de importação de combustíveis e alimentos para que a elevada inflação não deteriore as já precárias condições de vida da população pobre.

Apesar de o Governo já ter tocado nas taxas do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), para atenuar o impacto da pandemia de covid-19, “ainda há alguma margem para mais alívio fiscal, pelo menos ao nível de produtos alimentares e a curto prazo”, notou.

Por outro lado, continuou, o banco central deve refrear o ímpeto do aumento das taxas de juro, porque a atual tendência altista da inflação não tem uma matriz monetária.

Alertando que “importar bens e serviços também é importar inflação”, Elcídio Bachita defendeu a aposta na produção nacional nas áreas em que o país tem potencial, sobretudo na agricultura, para que Moçambique não esteja demasiadamente exposto a flutuações nos mercados internacionais.

A inflação homóloga em Moçambique foi de 10,81% em Junho, o valor mais alto dos últimos quatro anos e nove meses, anunciou o Instituto Nacional de Estatística (INE).

A inflação homóloga em Maio tinha sido de 9,31% e subiu 150 pontos base em Junho, segundo o novo boletim do Índice de Preços ao Consumidor (IPC).

É preciso recuar até Agosto de 2017 para encontrar um valor mais alto: na ocasião, a inflação foi de 14,13%, no rescaldo do choque provocado pelas dívidas ocultas.

A subida que se verifica desde o início do ano está em linha com todas as previsões e com o clima inflacionista global causado pela guerra na Ucrânia e pelo aumento do preço dos combustíveis.

As divisões de alimentação, bebidas não alcoólicas e transportes foram as que mais contribuíram para o aumento de preços em Moçambique.

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