A Procuradoria-Geral da República de Moçambique vai opor-se à participação de advogados britânicos na selecção de documentos oficiais confidenciais para incluir no processo judicial das dívidas ocultas no Reino Unido, apesar de um juiz britânico ter considerado ser legal.
Numa audiência preliminar ontem, sexta-feira, no Tribunal Comercial de Londres, o advogado que representa Moçambique no processo, Jonathan Adkin, reiterou, citado pela Lusa, que o entendimento da Procuradoria-Geral da República (PGR) é de a lei não permitir a intervenção de pessoas exteriores na manipulação de documentos confidenciais.
“A procuradora-geral [Beatriz Buchili] vai considerar decisão do juiz com cuidado e reflectir”, afirmou Adkin, mas vincou que está “determinada em resistir” a qualquer ordem da justiça britânica nesse sentido por entender que vai contra a legislação moçambicana.
Adkin respondia à sentença do juiz Robin Knowles publicada ontem, na qual declara que “é legal nos termos da lei moçambicana designar advogados individuais” para consultar documentos confidenciais.
“Convido respeitosamente a procuradora-geral de Moçambique, como representante da República perante este Tribunal, a estudar cuidadosamente esta sentença”, continuou, encorajando-a a fazer “uma reflexão mais aprofundada”.
Apesar de ter estado nos últimos dias em Londres para discutir o caso com a equipa jurídica britânica que representa a PGR, Beatriz Buchili não estava presente na sala, ao contrário do procurador-geral adjunto, Ângelo Matusse, que assistiu à audiência.
A participação de advogados britânicos na análise e selecção dos documentos oficiais que serão objecto de partilha com as restantes partes foi pedida pelos bancos Credit Suisse e VTB e pelo grupo naval Privinvest por uma questão de independência.
Na sua argumentação, o Credit Suisse alegou que seria “prejudicial à justiça elementar, e privaria de qualquer integridade o exercício de divulgação” se a selecção dos documentos oficiais disponibilizados por Moçambique for apenas feita pelos funcionários públicos “cujas chefias estão implicadas em irregularidades”.
“Esta é uma preocupação que este Tribunal deve ter seriamente em conta”, reconheceu o juiz.
A divulgação (`disclosure`) de provas documentais é uma etapa obrigatória dos procedimentos britânicos, quando as diferentes partes disponibilizam entre si documentos relevantes para o processo para que cada uma possa preparar os respectivos argumentos.
Os prazos para a sua conclusão têm sido sujeitos a sucessivos adiamentos, os quais arriscam afectar o início em 03 de Outubro do julgamento de um processo que se arrasta na justiça britânica há quase quatro anos.
A PGR iniciou em 2019, em nome da República de Moçambique, no Tribunal Comercial, que faz parte do Tribunal Superior [High Court] de Londres, uma acção judicial contra o Credit Suisse e o grupo Prinvinvest para tentar cancelar parte dos mais de 2.700 milhões de dólares de dívida contraída junto de bancos internacionais, entre 2013 e 2014.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado então pelo presidente Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo, o que levou à denominação de “dívidas ocultas”.
Entretanto, o banco russo VTB também lançou uma acção judicial no mesmo tribunal para recuperar as prestações que Moçambique deixou de pagar por um dos empréstimos feitos por empresas públicas para comprar barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima.
No processo estão nomeados vários altos funcionários públicos e figuras de Estado, como Guebuza, o antigo ministro das Finanças Manuel Chang e o actual chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi.
Num processo judicial que foi concluído em Dezembro em Maputo, 11 dos 19 arguidos no processo das dívidas ocultas foram condenados a prisão (10 a 12 anos), e três deles terão de pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,6 mil milhões de euros.
Os três visados são Ndambi Guebuza, filho do ex-presidente Armando Guebuza, e dois ex-dirigentes dos serviços secretos, Gregório Leão e António Carlos do Rosário (ex-director-geral e antigo líder da `inteligência` económica, respectivamente), que receberam uma pena de 12 anos de prisão cada um.
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