Comunidades ajudam na recuperação dos animais no Parque de Gorongosa

A ecologista responsável pela investigação dos elefantes da Gorongosa, Moçambique, atribui às comunidades locais parte do êxito na recuperação dos animais, sublinhando que o Parque Nacional vê o bem-estar das populações locais como uma prioridade.

“Não adianta darmos dinheiro ou modos de vida alternativos se não damos autonomia, responsabilidade, liderança a essas vozes locais e se não olharmos o bem-estar dessas comunidades como prioridade”, disse Dominique Gonçalves, que lidera o Elephant Ecology Project no Parque Nacional da Gorongosa.

A população de elefantes na Gorongosa caiu de 2 500 para cerca de 200 animais devido à guerra civil em Moçambique, que durou entre 1981 e 1994, mas desde então o número de elefantes quintuplicou, de cerca de 200 para perto de um milhar, segundo os números da investigadora.

Em entrevista à Lusa na véspera de falar sobre “O Elo Entre Conservação e Florescimento Humano” na National Geographic Summit 2022, que decorreu esta terça-feira em Lisboa, Gonçalves sublinhou tratar-se de “um grande avanço”.

“É um grande incremento, nos últimos 30 anos. É praticamente a minha idade, desde que eu nasci até hoje”, sublinhou.

A jovem especialista atribuiu este êxito, não só ao projecto de restauração do parque, em curso desde 2008, quando o Governo de Maputo se uniu à Fundação Carr, mas também às comunidades residentes em torno do parque, que estão “a ajudar muito a proteger esses elefantes”.

E defendeu que, para haver essa coexistência entre o ser humano e a fauna bravia, e para continuar a haver elefantes ou leões, é preciso “dar prioridade ao bem-estar das pessoas que vivem ao lado desses locais”.

Segundo Gonçalves, o parque “é líder” na visão da conservação e do desenvolvimento humano “como duas faces da mesma moeda” e investe “muitíssimo mais” no desenvolvimento humano e no desenvolvimento sustentável do que na conservação propriamente dita.

“Acreditamos que isso é um ciclo que vira virtuoso”, afirmou.

Mas a aposta no desenvolvimento humano não é apenas de construir escolas ou hospitais, “é mais profundo”.

“É ouvir mesmo, ter as vozes locais na tomada de decisão, é mesmo capacitar. (…) Precisamos de vozes locais como campeões dessa biodiversidade que queremos preservar”, disse.

Admitiu que ainda há conflitos entre o ser humano e os elefantes, como aconteceu em Janeiro, quando duas pessoas morreram atacadas por elefantes da Gorongosa, e admitiu que isso não vai acabar.

Mas Dominique Gonçalves sublinhou que o parque trabalha para diminuir a probabilidade desses eventos.

Os fiscais controlam a localização das manadas através de colares com GPS colocados em alguns elefantes, e reagem sempre que alguma se aproxima das povoações.

As próprias comunidades foram ensinadas a afugentar os elefantes, nomeadamente com recurso a fogo-de-artifício, cujo ruído, luzes e fumo têm funcionado como dissuasor, levando os animais a voltar para dentro do parque, que não tem cercas físicas, mas apenas tecnológicas.

“Isto é uma coisa que acontece hoje, não sabemos quanto tempo mais vai funcionar”, porque os animais são inteligentes e adaptam os seus hábitos.

Outra medida que o parque desenvolveu foi a criação de barreiras com colmeias, que são acionadas mecanicamente quando os elefantes se aproximam, levando os enxames a reagir e os elefantes a voltar para trás para fugir das abelhas, com a vantagem de que as colmeias são exploradas pelos habitantes para a produção de mel, explicou.

E o parque tem também estado a construir celeiros de tijolo e cimento, mais resistentes e herméticos, já que os celeiros tradicionais permitem que os elefantes sintam o cheiro e se aproximem para comer os cereais armazenados, derrubando as estruturas precárias.

Com estas e outras medidas, nomeadamente de aposta na educação, explicou Gonçalves, o parque tenta assegurar que as necessidades básicas das comunidades estão asseguradas, porque “quando têm melhores oportunidades de vida, melhor rendimento”, as pessoas querem participar na conservação.

Com uma área de cerca de 4 067 quilómetros quadrados, o Parque Nacional da Gorongosa já albergou uma das mais densas populações de vida selvagem de toda a África, incluindo carnívoros, herbívoros e mais de 500 espécies de aves, mas a guerra civil no país fez desaparecer 95% dos mamíferos de grande porte e os ecossistemas foram alvo de forte pressão.

Localiza-se na província de Sofala, na extremidade sul do Vale do Rift do leste africano, com uma área de cerca de 4 000 quilómetros quadrados.

A Fundação Carr, criada pelo norte-americano Gregory Carr, aliou-se ao Governo de Moçambique para proteger o parque e, em 2008, assinou um contrato de gestão conjunta por 20 anos, entretanto prolongado por mais 25, comprometendo-se então a um investimento de 40 milhões de dólares.

Dominique Gonçalves, que em 2015, aderiu como investigadora ao Elephant Ecology Project, o qual agora lidera, é uma das oradoras da 4.ª National Geographic Summit, sob o mote “Um dia para mudar os próximos”, que traz hoje a Lisboa “exploradores que usam o poder da ciência, da exploração, da investigação e do ‘storytelling’ para divulgar e proteger as maravilhas do planeta Terra”, segundo a organização.

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