Investigadores e empresários defenderam neste sábado à Lusa que o Plano de Reconstrução de Cabo Delgado deve incluir uma vertente de promoção de emprego para anular o campo de recrutamento de jovens pelos grupos armados que atormentam a região.
Edson Cortez, director do Centro de Integridade Pública (CIP), organização não-governamental, e especialista em Administração Pública, defendeu que os recursos que serão mobilizados para a reconstrução da província do norte do país devem incorporar o vector da criação de postos de trabalho, porque os grupos insurgentes em Cabo Delgado cresceram recrutando jovens desocupados.
“Se a reconstrução não incluir o emprego da enorme força activa desaproveitada e um crescimento económico inclusivo de Cabo Delgado, podemos voltar a ter destruição”, declarou Cortez.
O plano de reconstrução, prosseguiu, deve ser implementado com transparência e inclusão do sector privado e da sociedade civil, para que tenha maior sensibilidade social e potencial produtivo.
“A eficácia do plano passa por evitar que os recursos sejam apropriados por apetites ociosos das elites ligadas ao partido no poder”, afirmou.
Edson Cortez diz-se surpreendido com “um plano de reconstrução elaborado pelo Governo”, que não foi antecedido por uma ampla auscultação visando o seu enriquecimento pelos vários quadrantes da sociedade, nomeadamente da província.
Sobre os 300 milhões de dólares orçamentados, Edson Cortez considerou o valor “obscuro”, porque não são conhecidos os “pressupostos” que orientaram a sua elaboração.
“O que se pode adiantar é que o Governo, sozinho, não terá esse dinheiro. Vai ter de contar com o apoio dos parceiros internacionais”, enfatizou.
Leila Constantino, investigadora do CIP, também argumentou a favor de um plano ‘pró-emprego’, assinalando que a guerra em Cabo Delgado foi favorecida pelo desespero dos jovens.
“A insurgência em Cabo Delgado cresceu rapidamente em quatro anos, porque é fácil mobilizar jovens que não têm nada a perder e vivem numa situação de descontentamento desde que nasceram”, afirmou Constantino.
O plano, continuou, deve assegurar a provisão de serviços essenciais básicos, como estradas, pontes, escolas e água, porque também têm impacto no bem-estar e na normalização da vida.
“Se os ganhos em termos de segurança forem consolidados, as populações deslocadas devem sentir que vale a pena regressar para as zonas de onde fugiram devido à violência”, considerou.
Leila Constantino também alertou para a necessidade de transparência para que os fundos da reconstrução não acabem em esquemas de corrupção, recomendando auditorias e relatórios públicos.
O delegado Empresarial da Confederação das Associações Económicas (CTA) em Cabo Delgado, Mamudo Irachi, disse que o plano de reconstrução deve ser uma oportunidade de dinamizar negócios e criar emprego.
“Estamos em contacto com o Governo para, em conjunto, assegurarmos que as empresas da província de Cabo Delgado tenham um papel ativo na reconstrução e criação de postos de trabalho”, afirmou Irachi.
O plano deve dinamizar o sector de construção, tendo em conta o efeito destrutivo da violência ao nível de infraestruturas, e permitir que os jovens adquiram competências permanentes, referiu.
“Sabemos que as obras podem ter um carácter mais sazonal, por isso, deve haver uma estratégia que permita que os jovens empregados na construção não caiam novamente no desemprego”, enfatizou.
O delegado da CTA enfatizou o imperativo da transparência e disse que os empresários estão “prontos para uma interação com o Governo, que permita que os recursos disponíveis para a reconstrução sejam canalizados para empresas com capacidade de mostrar resultados, gerar emprego e bem-estar”.
O Plano de Reconstrução de Cabo Delgado, aprovado em Setembro em Conselho de Ministros pelo Governo, prevê ações de curto prazo (um ano) como “a reposição da administração pública, unidades sanitárias, escolas, energia, abastecimento de água, saneamento, telecomunicações, vias de acesso, identificação civil, apoio psicossocial e auto-emprego, sobretudo para jovens”.
Durante a apresentação do documento, o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, realçou que “o trabalho de reconstrução de infraestruturas e do tecido humano é imenso” e “é necessário continuar a reforçar as sinergias entre Governo, parceiros de cooperação, sector privado e outros intervenientes” para agir “mais depressa”.
“A nossa expectativa é que, com base neste documento, os parceiros possam identificar as áreas de intervenção e indicar como se poderão juntar aos esforços do Governo na mobilização de recursos”, disse.
O conflito já provocou mais de 3 100 mortes, segundo o projecto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades. Desde Julho, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas onde havia presença de rebeldes, nomeadamente a vila de Mocímboa da Praia, que estava ocupada desde Agosto de 2020.
Agência Lusa