Analistas consideram que descontentamento na função pública é “marco significativo”

Analistas consideram que descontentamento na função pública é “marco significativo”

Analistas consideraram na sexta-feira que a inédita contestação ao Governo por várias classes profissionais da função pública moçambicana, devido à nova tabela salarial, não representa um risco de “ruptura de fundo na fidelidade” à Frelimo, partido no poder, mas constitui um “marco significativo”.

“Penso que ainda não há nenhum indício de rotura de fundo, porque os pressupostos de recrutamento e de promoção [no aparelho estatal] continuam a ser os mesmos”, disse à Lusa Fernando Lima, jornalista e analista moçambicano.

Os funcionários do Estado sabem que devem manter a lealdade à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), porque o acesso à carreira e promoção dependem disso e não da meritocracia e competência, afirmou Lima.

“Enquanto estes pressupostos não forem alterados, penso que continuará a haver, vamos dizer, não uma fidelidade canina, mas uma grande fidelidade ao partido no poder”, realçou.

As ameaças de greve, prosseguiu Fernando Lima, “são circunstanciais”, porque são motivadas pela revolta em relação “à grande incompetência” verificada na elaboração e implementação da nova Tabela Salarial Única (TSU).

Os funcionários do Estado e a Frelimo vão manter uma relação de conveniência por mais tempo, porque os trabalhadores precisam das “benesses” que o partido distribui, graças ao controlo que exerce sobre os recursos do Estado, e a força política no poder precisa do voto e da participação das classes profissionais do sector público nos processos eleitorais.

Por seu turno, Adriano Nuvunga, politólogo e director da organização não-governamental (ONG) Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), considerou um “marco significativo” a revolta dos funcionários do Estado, principalmente dos professores, tendo em conta que o partido no poder conta com esta classe profissional nos processos eleitorais.

“São os professores que são mobilizados para as actividades de administração eleitoral e sempre fazem fraude a favor da Frelimo”, acusou Nuvunga.

O descontentamento daquele grupo profissional já era latente há vários anos e é o corolário de uma “greve silenciosa” que já se vinha registando e com “consequências negativas na qualidade da educação”.

“Ter os professores a saírem hoje à rua, por se sentirem-se abandonados, ameaçados até pelo Presidente da República, pode representar um marco muito importante naquilo que é a despartidarização do Estado que vem sendo reivindicada pela sociedade”, enfatizou.

O politólogo Régio Conrado defendeu que o partido no poder ainda mantém um “controlo massivo e profundo” sobre a função pública, mas está “desconectado da mudança geracional” que o aparelho do Estado vai sofrendo.

“A Frelimo pensa que está a governar uma sociedade dos anos 70 ou 80 e está desconectada com a mudança geracional que houve, porque os actuais funcionários públicos não têm nada a ver com a geração do tempo colonial”, que é mais submissa à autoridade, afirmou Conrado.

A actual geração de funcionários públicos tem capacidade de articular uma acção reivindicativa dos seus direitos sociais, mesmo num contexto de um “controlo cerrado” exercido pelo partido no poder.

Por outro lado, prosseguiu, a actual onda de contestação resulta da “prepotência e arrogância” da Frelimo, que bloqueiam o diálogo com as forças vivas da sociedade.

“Não podem projectar medidas que mexem com a vida das pessoas sem discutir com alguma sinceridade”, salientou.

Grupos de professores ameaçaram boicotar exames e a Associação Médica de Moçambique remarcou para 05 de Dezembro uma greve nacional, dependente da resposta a várias reivindicações.

Por seu turno, a Associação Moçambicana de Juízes (AMJ) ameaçou impugnar o novo modelo salarial, considerando que o instrumento “põe em causa o estatuto constitucional dos juízes”.

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