O Instituto de Estudos Estratégicos (ISS) estima que África apenas alcançará as ambições inscritas na Agenda 2063 da União Africana para o desenvolvimento, se prevalecer nos próximos anos o cenário de um “Mundo Sustentável”, cada vez mais ameaçado.
O instituto de análise sul-africano lançou a discussão pública de um trabalho em que perspectiva quatro cenários – um Mundo Sustentável, um Mundo Dividido, um Mundo em Guerra e um Mundo em Crescimento — em que o primeiro “é o mais difícil de alcançar”, dependendo da capacidade da comunidade internacional de equilibrar “o crescimento e a distribuição, reduzindo o consumo global e limitando as emissões de gases com efeito de estufa”.
O projecto, lançado pelo programa Africano de Futuros e Inovação do ISS, olha para os desenvolvimentos geo-estratégicos recentes, nomeadamente para a guerra na Ucrânia e para o aumento das tensões entre a China e os Estados Unidos relativamente a Taiwan, e considera que “África está a emergir rapidamente como um campo de batalha” entre Pequim, Washington e a União Europeia (UE), ao mesmo tempo que “o impacto das alterações climáticas acelera de ano para ano” e isolou os quatro cenários referidos.
Nos últimos 15 anos, sustenta o ISS, a pandemia de covid-19 atingiu o mundo quando este recuperava da crise financeira de 2008/9 e, quando a pandemia começou a abrandar, a Rússia invadiu a Ucrânia e aumentou a insegurança energética na Europa e a insegurança alimentar em África, que enfrenta agora uma emergência de fome e fertilizantes, que se juntam à crise das dívidas.
“O resultado é uma instabilidade generalizada e um declínio geral da democracia, incluindo uma onda de golpes de Estado na África Ocidental e Central” — Mali, Chade, Guiné-Conacri e Burkina Faso — em pouco mais de um ano, aponta o instituto de análise sul-africano.
Perante este contexto, considera o ISS, o cenário do Mundo Dividido “parece ser o mais provável”. Este cenário veria uma ordem global mais fragmentada e o recuo do atual sistema baseado em regras ao longo do tempo.
Por outro lado, num mundo em que Washington e Bruxelas não actuem como um só, a China poderia ultrapassar o potencial de poder da UE em 2027 e o dos Estados Unidos em 2031, estima o ISS.
“Nesta trajectória, a constante perda de legitimidade, influência e ascendente das Nações Unidas avança a passos largos, e a África sofre. A manutenção da paz e o apoio à pacificação em África declinam”, acrescente o instituto.
Garth Shelton, professor associado no Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Wits em Joanesburgo, África do Sul, especialista nas relações entre África e a Ásia, que participou nesta quarta-feira na discussão do projecto, considerou o primeiro dos três cenários demasiado optimista e os dois seguintes excessivamente pessimistas.
Para Shelton, depois da pausa provocada pela covid-19 e contida que parece a guerra na Europa, o mundo vai continuar a sua trajectória de crescimento e a China manterá o ascendente alcançado em África, um continente de que “precisa” para alcançar a hegemonia mundial que persegue.
Já o continente enfrenta como principais desafios a capacidade de marcar a agenda mundial e de “influenciar os principais actores externos mundiais”.
O especialista não apenas considerou que o continente africano está muito dependente da China, como questionou a capacidade de África, enquanto entidade singular, de influenciar os principais actores mundiais, desde logo Pequim, mas também os Estados Unidos, União Europeia e outras grandes potências.
A título de exemplo, questionou as expectativas de sucesso do continente na cimeira África-Estados Unidos prevista para o final do ano: “Conseguirá África ir para a cimeira bem preparada, com uma ideia clara do que quer dos Estados Unidos e colocar em cima da mesa as suas pretensões e obter algumas respostas” de Washington, questionou Garth Shelton.
Ou, acrescentou: “Irá para a cimeira sem preparar quaisquer objectivos ou planos e receberá dos Estados Unidos aquilo que Washington quiser oferecer, saindo de lá sem nada de muito válido?”.
“Penso que não temos a capacidade de trabalhar em conjunto. A União Africana não tem uma perspectiva africana em relação a estes assuntos. Se a tivesse, penso que o nosso poder de agenciamento aumentaria dramaticamente”, considerou ainda.
“Claro que temos todas as matérias-primas que os países industrializados procuram. Mas não cooperamos. Não as usamos como instrumento na nossa relação com os actores externos. Precisamos de o fazer”, sublinhou.
Jakkie Cilliers, coordenador do projecto do ISS, considerou igualmente que “a capacidade de África falar a uma só voz é muito limitada”.
A União Africana tem 55 Estados-membros, lembrou, referindo: “Gostaríamos de dizer que África precisa de falar a uma só voz, mas penso que nunca o fará”.
“Talvez, a prazo, África venha a ter um mercado comum e possa alcançar alguns progressos nesse sentido, mas não acredito que isso venha a acontecer nos próximos 50 anos”, acentuou.
“Em 2033, com muita sorte, teremos a funcionar o acordo de comércio livre, pelo que penso que não devemos entusiasmar-nos muito com a capacidade de influenciar a agenda mundial”, avisou o investigador do ISS.
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