Refugiados ruandeses de Moçambique expressaram ontem a sua preocupação depois de o governo moçambicano aprovar na terça-feira um acordo de extradição assinado em Junho com o Ruanda, por recear que isto facilite a perseguição de dissidentes ruandeses exilados.
Moçambique já foi palco de desaparecimentos e de assassinatos de opositores ruandeses expatriados. Para Adriano Nuvunga, líder do Centro para a Democracia e Desenvolvimento, os deputados moçambicanos não podem ratificar este acordo.
“Estão preocupados os ruandeses e estamos preocupados nós também. Esta validação vem contrariar aquilo que é o chamamento global para a não validação desse acordo de extradição. Há duas tendências em relação à comunidade ruandesa: tem havido assassinatos de ruandeses refugiados em Moçambique, mas também tem havido sequestros e repatriamentos extra-judiciais”, começa por dizer o activista cuja organização publicou esta quinta-feira um comunicado em que considera que “Nyusi abre porta para o “patrão” Kagame recolher seus opositores políticos refugiados em Moçambique”.
Estima-se que 3 mil ruandeses tenham encontrado refúgio em Moçambique nestas 3 últimas décadas, na sequência do genocídio de 1994 no Ruanda em que terão morrido 800 mil a 1 milhão de pessoas. Entre os numerosos ruandeses que se exilaram em Moçambique, alguns faleceram ou desapareceram em circunstâncias que permanecem por esclarecer.
Em Maio de 2021, a comunidade ruandesa deu conta do desaparecimento forçado do jornalista Ntamuhanga Cassien, 37 anos, que se encontrava exilado em Maputo. Meses depois, no dia dia 13 de Setembro de 2021, Revocant Karemangingo, vice-presidente da Associação dos Refugiados Ruandeses em Moçambique (ARRM), foi morto a tiro perto da sua casa, nas imediações da capital. Dias antes da ocorrência, a comunidade ruandesa radicada em Moçambique denunciou a alegada existência de uma lista de 20 refugiados ruandeses dispersos por alguns países africanos, nomeadamente Moçambique, identificados como sendo alvos a serem eliminados por esquadrões de morte do governo ruandês.
Neste sentido, na óptica de Adriano Nuvunga, citado pela RFI, “com este acordo de extradição, agora vai se massificar a extradição de ruandeses que se refugiaram em Moçambique à procura de abrigo, a fugir das condições em que a justiça tem estado a operar aparentemente contra aqueles que são críticos ao poder de Paul Kagame”.
Questionado sobre a eventualidade de o acordo ter por intuito facilitar a extradição de criminosos que fugiram do Ruanda depois do genocídio, o responsável do CDD mostra-se dubitativo. “Não nos parece. Há uma total falta de transparência nas pessoas que estão sendo perseguidas. Aquilo que vimos por um lado em relação às vítimas que foram assassinadas cruel e barbaramente e aqueles que foram sequestrados, são pessoas que, perante o poder de Kagame, se posicionaram de forma crítica e que, por causa disso, foram forçados a sair do Ruanda e estão agora a ser perseguidos”, refere o activista para quem o acordo de extradição “visa atender este expediente autoritarista e não necessariamente o serviço da justiça” no Ruanda.
Do ponto de vista do Centro para a Democracia e Desenvolvimento este entendimento é uma das contrapartidas que o Governo moçambicano paga pelo apoio militar do Ruanda na luta contra o terrorismo em Cabo Delgado, no norte do país. Desde Julho de 2021, a par da força regional da SADC, o Ruanda enviou mais de 2.500 soldados e polícias para combater os grupos armados activos naquela província desde Outubro de 2017.
“A missão ruandesa não tem transparência, não conhecemos os termos de referência do envolvimento das tropas ruandesas em Moçambique, quanto tempo vão ficar, quanto é que isso custa, como é que isso se operacionaliza. Parece-nos que sim, faz parte desse tipo de acordo totalmente debaixo da mesa, sem qualquer tipo de transparência”, considera Adriano Nuvunga.
Noutro aspecto, a ONG de defesa dos Direitos do Homem e luta contra a corrupção mostra-se igualmente preocupada com a crescente presença dos ruandeses não só no campo militar, garantindo a protecção dos empreendimentos de gás, mas também no campo das oportunidades que poderão surgir com o eventual regresso a Cabo Delgado do gigante francês dos hidrocarbonetos Total. Na sua comunicação, o CDD refere que o “Ruanda preparou uma empresa de segurança privada, a ISCO, que deverá substituir as tropas ruandesas na protecção dos projectos de LNG (…)
Além do negócio de segurança, Ruanda está a perfilar empresas para executarem obras de construção civil e fornecer bens e serviços nos projectos de LNG. Um dos exemplos é a RADAR SCAPE, empresa ruandesa de construção civil que ganhou um contrato de 800 mil dólares para reabilitar 76 casas na vila de reassentamento de Quitupo, onde vivem as famílias retiradas do local onde serão implantados os projectos de gás da Bacia do Rovuma; a NPD, uma das maiores construtoras ruandesas, integrou, à última hora, a lista de empresas que em 2022 estavam a concorrer para a realização de trabalhos preparatórios no projecto de Mozambique LNG, liderado pela francesa TotalEnergies”.
Ao aludir precisamente ao crescente interesse do Ruanda em Cabo Delgado em termos económicos, o responsável do CDD considera que ela pode ser um factor de instabilidade a longo prazo. “Estamos muito preocupados pela falta de transparência e pelos termos de referência do engajamento que nos parece que contrariamente àquilo que é a expectativa que é que as primeiras e poucas oportunidades que vão surgindo quer nesta fase da reconstrução, na fase da retoma dos projectos, beneficiem moçambicanos, beneficiem pequenas e médias empresas moçambicanas, também como forma de um crescimento inclusivo e, por via disso, retirar os factores do sentimento de exclusão, o que se vê é que o Ruanda está a abocanhar estas oportunidades que são para os moçambicanos em primeiro lugar (…) isto é deveras preocupante porque pode hoje ajudar a estabilizar a situação, mas pode ser um factor de instabilidade a médio e longo prazo”, conclui Adriano Nuvunga.
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